Girolme apenas o encontraria cerca de uma semana depois, já atolado em dúvidas. Repensara toda a existência e questionava se muitos dos problemas que lhe tinham acontecido teriam origem num equívoco de fé. Porém, Bernardo assegurou-lhe que tal não faria sentido. Levantou-lhe outras dúvidas e divagou sobre se Deus existe só por si ou seria necessária uma consciência para o reconhecer ou imaginar.
Quando a conversa resvalou para a temática do mal e do bem, Bernardo afirmou que tal era uma paródia de costumes e que não se poderia dividir trivialmente a humanidade entre más e boas pessoas. Girolme não concordava e fez questão de lhe dizer que era uma pessoa de bem. Bernardo perguntou-lhe então se sabia o que tinha acontecido à dona Carmelinda, a antiga porteira do prédio. Girolme foi definhando em remorso e nem se lembrou de perguntar como é que Bernardo a conhecia. Recordou o ar desolado da pobre mulher ao ser escorraçada. Pressentiu então que teria de ter muito mais cuidado nas suas preces, mormente para não prejudicar outros de forma inconsciente. Por fim, Bernardo disse-lhe que as pessoas deveriam colocar-se no centro das suas vidas e dividir a fé em Deus pelo amor ao próximo. Todavia, Girolme já não o escutava com a mesma atenção. Aliás, chegou mesmo a arrepender-se por se ter metido em tais inquietudes; não pela ausência de sentido, mas porque era mais feliz se não pensasse a existência de Deus e apenas acreditasse.
Religião à parte, Bernardo ajudara-o bastante e Girolme estava-lhe profundamente agradecido. Para além de uma maior integração na vida citadina, Girolme melhorou bastante a sua prática profissional e prestou um melhor serviço aos moradores do prédio. Por vezes, sempre que surgiam algumas dúvidas, ou porque Bernardo o aconselhava, Girolme levava-lhe alguma correspondência e os problemas dissipavam-se. Os dois continuaram a encontrar-se no parque e ficaram amigos. Porém, apesar de Girolme o ter convidado várias vezes, Bernardo sempre recusou ir ao seu apartamento. Ainda que nem sempre Girolme compreendesse e aceitasse as ideias do amigo, aprendeu bastante e ficou a conhecer melhor o mundo que o rodeava. Girolme recordar-se-ia em particular de três momentos que passou na companhia de Bernardo.