Sombras de Silêncio #287

Pela manhã, Girolme deveria recolher o correio no carteiro e distribuí-lo pelas pessoas, sendo de evitar qualquer engano; as repercussões poderiam ser bastante nefastas. Para tal aconselhou-o a fazer a entrega à mão, confirmando o nome que estava no sobrescrito. Girolme considerou que poderia adaptar-se aos afazeres da limpeza, mas a entrega do correio pareceu-lhe um problema inultrapassável. Ainda assim, calou-se como um melro em dia de missa e lá foi escutando.

Subiram depois ao último andar e Girolme ficou a conhecer o espaço que iria ocupar durante os próximos anos. Tal como os outros três apartamentos do cimo, era apenas composto por um quarto pequeno, uma cozinha apertada, uma sala generosa e um exíguo espaço exterior, acessível a partir da cozinha. Na sala existia um armário de carvalho na parte central e um sofá em tons castanhos. A sala e o quarto estavam revestidos com um parquê simples, enquanto na cozinha havia um mosaico avermelhado. O apartamento tinha pouco mais do que o fundamental, mas era bem melhor do que Girolme tivera ao longo da sua vida. Girolme considerou mesmo que conseguiria convencer o doutor António para que Bilinho, logo que aparecesse, também ali fosse habitar. Para além dos serviços já mencionados, Girolme ficaria ainda incumbido de entregar pequenos recados quando lhe fosse pedido. Por fim, Carlos deixou-lhe algum dinheiro adiantado e a promessa que regressaria em breve.

Girolme passou boa parte da noite à janela. Ao longo do dia vivera tantas e díspares sensações que ficou sem sono. De qualquer forma, não sabia se conseguiria dormir na cama. A cidade dormitava em suspiros coibidos, despertando a espaços com algum burburinho suspeito. Girolme, perdido num luxo desassossegado, pensou muito em Bilinho. Quando os olhos se cansaram, fez escorregar o corpo e dormitou encostado à parede da sala.

No dia seguinte, Girolme esperou em vão pelo regresso de Carlos. Na manhã do terceiro dia acordou com uma vontade premente de desistir daquela vida e ir em busca do amigo. Contudo, mal saiu à rua, encheu-se de incertezas. Não sabia onde estava nem para onde teria de ir. Aproveitou apenas para ir comprar pão e queijo e regressou logo de seguida, triste e mitigado. Acreditou depois que Carlos haveria de ser bem-sucedido.

Sombras de Silêncio #287

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