Num ápice, os dois polícias ficaram de sobreaviso e aptos para qualquer eventualidade.
– Sim, mas eu nunca fui! Nem sei o que é isso. Quem me tira a Nossa Senhora tira-me tudo – tentou desculpar-se Girolme, antevendo que a informação tinha ganho contornos inesperados.
– É assim mesmo, meu amigo, que isso é gente que não interessa a ninguém. Amor ao trabalho e fé em Deus. Mas conte lá como é que isso aconteceu. Como é que alguém o pôde confundir com um comunista?
Girolme descreveu então os acontecimentos, conforme a memória lhe ia permitindo e tentou sobrelevar-se ao receio do que lhe poderia acontecer. Para além do medo compreensível, agarrou-se à bondade que o professor sempre lhe dedicara. Quando Girolme terminou, o doutor António esteve alguns instantes em silêncio, de rosto fechado. Dirigiu depois a palavra aos polícias e pediu para que a história fosse esclarecida.
– E depois, quanto tempo é que lá esteve em Peniche?
– Eu nã sei ao certo, mas acho que foram mais de vinte anos – respondeu Girolme.
– Meu Deus, como é possível?! – enervou-se o presidente, começando a respirar num tom mais pesado e a trincar o lábio. – E depois? Acabou a pena e saiu de lá?
– Isso da pena eu nã sei se acabou, mas eu fugi de lá por uns lençóis.
O doutor António revirou os olhos de incredibilidade para os polícias e colocou as mãos na cara. O guarda-sol proporcionava uma sombra agradável e ao fundo ouvia-se as ondas a embaterem delicadamente nas rochas, como se tivessem medo de perturbar o descanso de quem lá vivia.
– E após da cadeia? Para onde é que foi? Porventura voltou a ser apanhado? – inquiriu o presidente, pousando um copo de laranjada.
– Olhe doutor, foi um ver se te avias daqui p’ra Espanha; andei por lá a apanhar azeitona até que o burro morreu e tive de fugir. Depois encontrei o meu amigo Bilinho e atravessámos o Alentejo. Depois fomos a uma… perdemo-nos e andei um bocado à procura dele. Ainda pensei que ele estava num barco, mas afinal era outro homem. Apareceu então a polícia e trouxeram-se p’raqui!