Pelo meio-dia, Girolme já era tido como herói e a notícia espalhou-se. Era então certo que poderia ir para onde quisesse, mas os polícias pediram-lhe que permanecesse na esquadra. Pela tardinha chegou a novidade que o próprio Presidente do Conselho de Ministros, de férias no forte de São Julião da Barra, gostaria de agradecer pessoalmente a Girolme. Tal provocou algumas preocupações nos polícias, mormente pelo aspeto de vagabundo de Girolme. De qualquer forma, tal passaria a ser uma responsabilidade dos homens da polícia política que o viriam buscar. Quando chegaram, os dois homens mostraram-se muito reticentes. Não o poderiam levar assim, mas também era impensável não cumprir a missão. Girolme foi levado a uma barbearia e passou depois numa loja de roupa. Por várias vezes insistiu que gostaria de continuar a procurar o amigo, mas explicaram-lhe sempre que teria de adiar as buscas, pelo menos naquele dia. No final, ao ver-se ao espelho, nem o próprio se reconheceu. Pareceu a Girolme que tinha vestido a vida ao contrário.
Seguindo no banco traseiro do carro, Girolme passou a ponte Salazar sem perceber para onde ia. Bilinho, após alguns desencontros, já tinha atravessado o Tejo no dia anterior, perdendo-se depois numa Lisboa a cheirar a fado, pelas suas tabernas e vielas. Desapareceu depois, sem ser notado, entre os prazeres e vicissitudes da vida.
Girolme e Lisboa não se reconheceram de imediato. Tal também não seria de estranhar, tendo em conta a longa ausência. A cidade conseguia discernir para lá das aparências e Girolme apenas ocasionalmente se lembrava que nascera Fernandes. Continuaram pela marginal e não demoraram muito a chegar ao forte de São Julião da Barra. Girolme ficou então mais preocupado, recordando-se da sua chegada ao forte de Peniche, algumas décadas atrás.
O carro transpôs a ponte sobre o fosso, perante o olhar atento de homens armados, e foi estacionar no parque em frente ao forte. Ao saírem do carro apareceu um mordomo, de aspeto severo, e pediu que o acompanhassem. Entraram no edifício e Girolme foi conduzido até ao pátio, onde o presidente descansava debaixo de um chapéu-de-sol, ladeado por uma mesa e três cadeiras de madeira e lona. Assim que os viu chegar, Salazar levantou-se e ofereceu um aperto de mão.
– Obrigado pelo seu patriotismo. Como se cha… ah… Fernandes, é você? – perguntou o doutor António, entre os píncaros da admiração.