A terra revolvida facilitava a tarefa e ao fim de meia hora a urna ficou totalmente descoberta. Surgiu então o problema de a abrir. Perderam algum tempo em tentativas frustradas, até que Bilinho se lembrou de ir buscar duas cordas e resolveu o problema. Puxaram a urna para a superfície e abriram-na.
– Ora dê cá o relógio – disse Bilinho, tentando encontrar o fio com o olhar.
– Isso é que não! Nem morto! – respondeu Miguel.
– Ai, cabeça a minha! ‘Tá lá trás do jazigo. Vá lá buscá-lo – retorquiu Bilinho.
Miguel afastou-se e Bilinho aproveitou a oportunidade para inspecionar a urna. Foi então surpreendido pela aparição inesperada de um vulto que lhe pregou com uma cruz de madeira na cabeça, fazendo-o tombar. Era Marco.
– Ah coveiro, vou dar cabo de ti! – ameaçou Marco, erguendo a cruz e atirando-se novamente sobre Bilinho, que ficara estendido no chão, zonzo.
Nesse momento, Marco tropeçou numa peça de mármore de uma campa vizinha e caiu também ele no chão, golpeando uma perna num gradeamento. Levantou-se depois com toda a raiva que sentia e investiu novamente. Porém, Bilinho conseguiu levantar-se e pôs-se a correr. Marco ainda tentou segui-lo, mas o golpe dificultava-lhe o andamento. Lembrou-se então do assistente. Miguel, ao aperceber-se da intromissão, pôs-se também em fuga pelo corredor lateral e escapou. Pensou que o seu nome poderia passar despercebido, mas Bilinho, à entrada do cemitério, acabou por lhe defraudar as expetativas:
– Ó Girolme, vamos embora que o homem ‘tá tolo.
– Ah, bandidos! Quando vos apanhar vou tirar-vos a vida como se fossem caracóis! Hei de ir atrás de vocês nem que voltem para dentro das vossas mães!
Vendo que não os conseguiria apanhar, Marco desistiu da perseguição e voltou para a campa da sua amada com intenções de lhe devolver alguma dignidade e sossego. Confirmou que o fio ainda lá estava, deixou um último beijo em Sofia, fechou a urna e tentou recolocá-la na cova. Depois de algum tempo e de muito esforço lá conseguiu sepultá-la e rogou a Deus para que, daquela vez, ela tivesse o descanso possível. Seguiu então, com a pressa que as dores lhe permitiam, para casa de Bilinho. Mas apenas encontrou a porta aberta e um vazio silencioso. A vingança ficava assim adiada.