Sombras de Silêncio #265

No final da tarde, o corpo foi levado para a igreja para ser velado. A urna funerária foi colocada sobre uma passadeira vermelha em frente ao altar. Sofia tinha um vestido comprido de seda, ornamentado com folhos em forma de flores e uma rosa branca fora colocada no cabelo. Ainda antes de as pessoas da vila começarem a chegar, a pedido do pai e a troco de uma «quantia simbólica», o padre encarregou-se de realizar uma curta cerimónia penitente, em que tentou absolvê-la, sem compromisso de sucesso, do pecado do suicídio.

A família estava sentada nos bancos que ladeavam a urna e as pessoas foram chegando para emprestar os seus pêsames à família. A cada cumprimento, num tom lúgubre e soluçado, Tirinhos ia esclarecendo o quanto ela tinha sido feliz até conhecer Marco. Ninguém respondia o que pensava. Ao invés, apenas o confortavam. Poucos adiantavam que aquele não seria o momento apropriado para o desabafo.

Entretanto, Bilinho e Girolme foram incumbidos pelo padre de abrirem a cova na campa da família, já que o enterro seria logo pela manhã do dia seguinte. De todas as covas que abriu ao longo da sua estadia em Moura, aquela foi a que mais custou a Bilinho, como se todos os finais estivessem condenados por ironia divina. Depois do trabalho, os dois foram a casa trocar de roupa e seguiram para a igreja. À chegada, o padre chamou Bilinho à sacristia e incumbiu-o de fechar o templo logo que todas as pessoas fossem para casa e relembrou-o das suas responsabilidades para o dia seguinte.

O velório decorreu sem sobressaltos. Às três horas da madrugada, para além de Bilinho, apenas Tirinhos permanecia na igreja. Olhava fixamente para a representação de Jesus Cristo, pregado na cruz, e tentava perceber qual tinha sido o momento da sua vida em que a visão que tinha em criança do homem que gostaria de ser começou a ser adulterada. Desatou então a chorar como se tivesse acabado de nascer e, naquele momento, seria capaz de dar tudo pela oportunidade de regressar ao princípio do seu mundo. Desolado, foi depois acordar Bilinho, que ressonava na sacristia, e abandonou a penitência. Seguiu para casa, mas parecia que ia a caminho da perdição.

Sombras de Silêncio #265

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