Sombras de Silêncio #237

Pela manhã, quando Gabriel saiu do moinho, já Pablo acelerava com o seu Citroën em direção a Badajoz. Carlos juntou-se ao colega e ficaram os dois à porta do moinho a discutir o motivo da saída inesperada. Acabaram por concluir que estaria relacionada com a chegada do clandestino português. No seguimento, Gabriel considerou um pouco estranho o facto de Miguel continuar a dormir e foi acordá-lo:

– Largue a palha, homem! Olhe que são horas de levantar.

Miguel já estava acordado, mas insistia no marasmo. Voltou-se então, ergueu o braço, mostrou o relógio e disse com um sorriso triunfante:

– Ainda são sete horas. Eu atrasei o meu relógio p’ra ficar mais um bocado a dormir.

– Mas você ‘tá maluco? Você não pode andar a mudar o relógio conforme lhe apetece. Já são oito horas! – devolveu Gabriel, incrédulo.

Miguel tossiu e olhou desconfiado para ele. Tinha duas perspetivas diferentes do assunto, contadas pela mesma pessoa, e não sabia qual era correta. Gabriel depois reexplicou-lhe a razão do ajuste horário e Miguel lá acenou que tinha entendido, sorrindo de vergonha. Levantou-se depois e veio a tossir até encarar a planície.

 – Não deveria ter-se deitado molhado. Já a agarrou! – disse Gabriel.

Miguel sorriu e tossiu. Tinha o nariz entupido e o próprio respirar arranhava-lhe a garganta. Carlos olhava-o com um ligeiro afastamento. Não gostava que os portugueses continuassem a chegar e a passar, especialmente se isso implicasse a ocupação de lugares de trabalho. Disse então a Gabriel que iria até à casa e desceu o monte.

– Ouça – advertiu Gabriel –, quando acordei vi o patrão a sair com o carro. Deve ter ido a Badajoz e ele tem por lá um filho que é da Guarda. Esteja atento e sempre com um olho numa fugida. Se eu fosse a si tinha cuidado. Já aconteceu antes.

Quando tudo parecia correr bem, Miguel estremeceu ao receber a notícia e permaneceu assustado. Despertou depois os sentidos, rodou em torno do moinho e perscrutou o horizonte despido à sua volta. Mas apenas lhe acudiu a interrogação «fugir p’ra onde?». Ficou ainda mais assustado ao relembrar as dificuldades que tivera ao tentar explicar aos portugueses que não era comunista, sendo que perante os guardas espanhóis, com as suas palavras diferentes, tal ainda deveria ser mais difícil. Sem alternativas, os homens decidiram descer o monte e foram até à casa. Isabel mandou-os ir tratar dos animais e estender os toldos para enxaguarem.

Sombras de Silêncio #237

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