Pelo meio da manhã, quando Ana Maria chegou junto deles com algumas sandes e um garrafão de vinho, já não distinguiu quem trabalhava há mais tempo na colheita. Enquanto os outros encheram os copos, Miguel comeu a sua sandes de queijo num trago. Se lhe tivessem dado, comeria muitas mais!
– ¡Se trata de un perro hambriento! – comentou Carlos.
Miguel escutou as palavras e olhou para Gabriel, enquanto os outros dois trocavam risos e olhares. Como não percebeu, ergueu apenas os ombros e sorriu. Ana Maria abanou a cabeça. Não lhe agradava que fizessem troça de quem não tinha meios para se defender. De resto, aconteceria por repetidas vezes que a incompreensão de Miguel se transformaria num sorriso inocente e fugaz. Gabriel levou um copo de vinho ao clandestino, mas o cheiro recordou-lhe o mal-estar vivido na estalagem de Elvas e recusou. Porém, o patrão insistiu, lembrando que «quién no es para beber, también no es para trabajar». À segunda insistência, Miguel lá bebeu o vinho.
Ana Maria permaneceu entre os homens e todos trabalharam em mais dez oliveiras. Ao meio-dia, carregaram os sacos de azeitona e de rama no trator e foram almoçar. Isabel tinha preparado um guisado com batatas, legumes e alguma carne que sobrara da Noite de Reis. A entrada da casa dava para a sala e Miguel ficou bastante impressionado com as muitas jarras, quadros e outros objetos que a engalanavam, numa mistura elegante de cores. As próprias paredes tinham sido forradas em papel com motivos naturais. Antes de se sentarem, o dono da casa ainda fez questão de mostrar a cozinha a Miguel.
Ana Maria era a única que passava o ano todo na quinta, já que os outros dois empregados apenas lá iam na altura da apanha da azeitona. Os pais dela tinham falecido há alguns anos num ajuste de contas, deixando-a sozinha e com um monte de dívidas que esgotaram qualquer bem que eles possuíam. Acabou por conseguir ali trabalho e por lá se mantinha. Não tinha marido nem depositava confiança nos homens para almejar algum.
