Sombras de Silêncio #230

Gabriel prontificou-se para ir bater à porta, deixando Miguel entregue ao olhar suspeitoso do espanhol. Apareceu pouco depois uma mulher, com pouco mais de quarenta anos, de pele morena, com o cabelo escorrido e os olhos escuros. Tinha uma pequena franja a toda a linha da testa. O nariz era pequenino e gentil. Junto ao queixo, ligeiramente descaído para o lado esquerdo, tinha um pequeno sinal. Trazia um vestido branco colorido por várias flores e uma camisola rosa de lã. Era de estatura baixa, mas graciosa. Chamava-se Ana Maria.

Adonde está o Pablo? – perguntou Gabriel.

Ela olhou para Miguel e ele retribuiu o olhar. Naquele momento perfeito de futilidades não adivinharam o que o futuro lhes reservaria e ela voltou-se em silêncio. Apareceu depois à porta um homem de estatura baixa e arredondada, cabelo grisalho e encaracolado. Estava ainda em ceroulas.

– ¿Qué está pasando? – perguntou Pablo.

Eres un portugués que vien en nombre do Jaquim dos Óculos, de Juromenha – adiantou Gabriel, misturando os idiomas em prol da compreensão.

– ¿Cómo se llama? – replicou Pablo, voltado para o clandestino.

Miguel, apesar de perceber que era suposto dizer alguma coisa, sentia-se tão perdido como uma gota de água no oceano. Estranhou imenso a recente confluência de novas palavras que o deixaram imerso numa incompreensão arrebatadora. Jaquim fizera algumas referências «a uma língua diferente», mas ele não entendera a verdadeira dimensão do problema. Via-se, naquele momento, entregue ao desconhecido e sem meios para ultrapassar as dificuldades.

– Como se chama? Vá lá, responda, homem de Deus! – ajudou-o Gabriel, dando-lhe uma ligeira pancada nas costas.

– Eu sou o pastor… Miguel… Fernandes – respondeu, agradecido por estar ali alguém que era capaz de gerar entendimento.

Miguel divagou depois em considerações sobre a razão por que haveria diferentes formas de falar e concluiu que talvez fosse uma questão de distâncias. Pelo que sabia, nunca tinha estado tão longe de onde era natural e talvez fosse essa a origem das diferenças linguísticas. Rendeu-se por fim à ignorância, indagando se haveria algum lugar longínquo em que as palavras dos homens se misturariam com as dos animais.

Sombras de Silêncio #230

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