– Como é que eu vou p’ra… – perguntou Miguel, agradado com a reviravolta.
– Juromenha. Quando chegar àquela estrada acolá meta pela sua esquerda.
– Adonde fica isso?
– Valha-me a virgem! Ó homem, levante um braço.
Miguel assim fez, cada vez mais confuso.
– Quando chegar lá acima vá na direção do outro braço. Continue sempre em frente até Juromenha. Procure pelo Jaquim dos Óculos e diga-lhe que vai da parte do Toino Gato. Vá com Deus e nã me volte a aparecer à frente!
Miguel agradeceu-lhe e continuou o caminho até chegar à estrada. Estava para seguir a indicação do estalageiro, mas vislumbrou, entre a penumbra, o que lhe pareceu ser uma laranjeira. A fome convenceu-o a ir até lá e, rogando a Nossa Senhora que o desculpasse, apanhou várias laranjas. Seguiu depois na direção que o estalageiro aconselhara, mas parou pouco depois. Procurou um sobreiro e por lá comeu. Estava tão cansado que acabou por adormecer. O medo do escuro e de ser apanhado acordaram-no amiúde. Havia muitos anos que Miguel não dormia ao relento e a noite estava bastante fria.
De manhã, logo que o sol dourou a planície, Miguel pôs-se a caminho, largando espirros e desabafos. Pairavam no céu algumas nuvens tímidas e os pequenos montes acumulavam-se em suavidades tranquilas. Miguel manteve um andamento constante e entrou em Juromenha a meio da tarde. As casas pareciam estar colocadas à volta do castelo em oração. Miguel chegou à primeira casa e encontrou uma velhinha sentada num banco. Perguntou-lhe se sabia do paradeiro de Jaquim dos Óculos, ao que ela respondeu para seguir até ao fim da estrada. Miguel assim fez, contornando o castelo e descendo em direção ao rio. Avistou então um homem de óculos, que andava a cavar a terra. Dirigindo-se a ele, apresentou-se e referiu o que o estalageiro lhe mandara. O homem pôs a enxada atrás das costas e vergou-se, tentando contrariar a curvatura que o trabalho lhe tinha cunhado. Perguntou-lhe depois, num tom baixo, se ele queria ir para Espanha. Miguel anuiu, justapondo que não tinha dinheiro, ao que o alentejano respondeu que ajustaria depois as contas com Toino Gato. Disse-lhe também que a travessia ficaria para depois do anoitecer, numa altura em que a vigilância era menos apertada. Ainda que o forasteiro lhe parecesse demasiado magro e frágil, Jaquim arriscou convidá-lo para cavar a terra e Miguel acedeu de pronto. Pelo préstimo dispensado, estava disposto a ajudar no que pudesse.