Sombras de Silêncio #92

Em finais de maio, ao dar banho ao filho, Joana reparou em vários pontos vermelhos que lhe pintalgavam uma das pernas. Ao perguntar-lhe o que acontecera, Miguel insistiu em dizer que tinha caído para umas silvas numa brincadeira com os amigos. A resposta titubeante do filho levou Joana a duvidar. Nessa noite, pediu ao marido que durante o dia passasse pela sala, obrigando-o primeiro a prometer e só depois permitiu as suas incursões românticas. Carlos cumpriria a promessa e, para além de querer averiguar a sala de instrução, tencionava ainda falar com o professor. O sargento encontrou-o logo pela manhã e não apreciou o seu juízo, ao repetir que Miguel era especial e que tinha uma aprendizagem mais lenta que os colegas, insinuando que seria mais proveitoso para todos se iniciasse o estudo de um ofício.

– E se o quartel encontrasse outro professor? – ripostou Carlos.

– Como assim, sargento? – perguntou o professor, elevando a voz e os ombros, recordando-lhe a distinção das patentes.

– O que eu queria dizer é que… como o meu tenente não tem muito tempo para a instrução, não seria melhor o quartel arranjar alguém para dar as aulas?

– Pelo amor de Deus, estamos em guerra! O que é mais importante? Ouça, mais tarde ou mais cedo esta guerra vai acabar e então logo se vê o que se pode fazer pelo seu Manel.

Apesar de reconhecer que as circunstâncias não eram propícias para a instrução, Carlos não o desculpava por descurar a educação do filho. Com a razão inferiorizada pela patente, restava-lhe mendigar que o professor dedicasse alguma atenção ao filho e o ensinasse a ler e a fazer algumas contas. Depois, talvez o tempo se encarregasse de lhe aperfeiçoar a aprendizagem.

Por volta das três da tarde, Carlos deixou a instrução militar a cargo de um segundo sargento e foi averiguar como decorria a aula. Ao chegar à porta da sala parou ao ouvir alguma algazarra entre as crianças. Escutou risinhos, gargalhadas, pedidos de pouco barulho e descortinou com clareza a voz do Ricardinho entre os demais, num tom pedagógico:

– Vamos lá ver se aprendeste a lição. Vou escrever o teu nome com dor!

– Ai! – gritou Miguel em desespero, sobrepondo-se à gargalhada geral.

– Assim, não vais passar o teste! – observou o Ricardinho.

Sombras de Silêncio #92

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