Nos primeiros dias de maio, o sargento foi confrontado com uma nova missão; ficou encarregue de resgatar os rapazes que tinham escapado, por vontade ou desconhecimento, à recruta. Deveria encontrar os infratores e esclarece-los das consequências do seu incumprimento. Como o número de soldados ainda estava aquém do pretendido, todos os meios eram passíveis de serem usados de forma a multiplicar as fileiras. Carlos deveria perscrutar o concelho de Ourém, situado a cerca de quarenta quilómetros para noroeste.
Ainda que ela se esforçasse para não o demonstrar, o exército deixava Joana em estado de sítio. Via o filho apoquentado pelos métodos escolares do professor e sabia que, mais tarde ou mais cedo, o marido partiria para a guerra. Todavia, não se atrevia a pedir-lhe para desistir, por considerar que de nada iria adiantar e seria até provável que ele se chateasse com ela pela suspeita de covarde. Ao jantar, a notícia que Carlos iria exercer o papel de carrasco para muitas famílias, levando-lhes os filhos para morrerem longe, perturbou ainda mais Joana. Farto de assuntos bélicos, Carlos decidiu alterar o rumo da conversa e perguntou ao filho o que fizera na aula.
– Juntar letras – respondeu Miguel, de olhar perdido na travessa de batatas de onde todos comiam.
Porém, o pai quis saber mais pormenores da aprendizagem. Miguel, entre as dúvidas e um relance de satisfação, deu alguns exemplos. Enquanto Joana ficou agradada e orgulhosa, Carlos ficou com a certeza de que faria melhor trabalho que o professor, ainda que tivesse pouca instrução. Depois do jantar, Miguel seguiu para o quarto e por lá esperou que a mãe lhe viesse emprestar algum carinho e ajeitar os lençóis.
– O miúdo anda triste. Já não sei o que fazer – comentou Joana para o marido, ao regressar à cozinha.
– Também me parece. É daquela instrução, pudera! – respondeu Carlos.
– O coitado passa a vida a levar pancada! – replicou Joana.
– Isso é como o sal na comida. O que me preocupa é ele aprender pouco, por culpa daquele borra-botas que, dividido entre dois serviços, acaba por fazer mal cada um deles. Mas não te preocupes, eu tratarei dele – assegurou o sargento.