Sombras de Silêncio #75

Em meados do mês, num domingo a cheirar a saudade e a esperança, Carlos, Joana e Miguel juntaram os poucos bens que lhes restavam e partiram de comboio em direção a Tancos, enquanto pela capital se hasteavam bandeiras verde-rubras e A Portuguesa se cantarolava alegremente pelas ruas. Carlos pressentia que o problema não iria desaparecer, mas tinha a esperança de o amenizar com a distância. O facto de ir morar para uma casa que pertencia ao quartel também o tranquilizava.

Carlos e Joana subiram mudos o Tejo, ansiosos que o destino lhes reservasse melhores dias. À chegada, no pequeno apeadeiro, estava já um soldado para os ajudar a levar os pertences para a casa que o quartel lhes reservaria, a troco de uma retenção de parte do ordenado. O soldado ofereceu-lhes as boas-vindas em nome do comandante, que disponibilizara uma carroça puxada por dois equídeos para o frete. Carregaram-na e seguiram depois pela estrada de terra. Apesar de a casa pertencer às instalações do quartel ficava um pouco afastada dos edifícios principais. Tinha sido reparada há pouco tempo. A cal branca que banhava as paredes trazia o cheiro alentejano para a margem norte do rio, enquanto as diversas arestas estavam pintadas por um palmo amarelado. As portas e as portadas tinham sido envernizadas, mas mantinham a coloração natural. A casa tinha somente uma assoalhada, onde se distribuíam uma cozinha com vista para a estrada; dois quartos remediáveis e um compartimento para as arrumações. Excetuando a inexistência da latrina, as condições equiparavam-se às de Lisboa.

Carlos apresentou-se ao comandante, o general Tamagnini, no dia seguinte. O general, de bigode reticulado, tratou de lhe mostrar as extensas instalações, convidando-o para uma cavalgada. Seguiram pelo caminho, torneando os diversos edifícios na planície, à medida que o sargento tinha conhecimento das suas novas funções. Entraria para a recém-criada Escola de Aplicação de Engenharia e ocupar-se-ia da formação de praças, tendo em vista salvaguardar a operacionalidade dos caminhos-de-ferro. Ao receber a notícia, o sargento ficou preocupado, dada a sua inexperiência no assunto. Mas o comandante tratou de lhe acalmar a consciência, assegurando-lhe que seria primeiro instruído.

Desceram até ao rio e terminaram no Castelo de Almourol, erguido numa ilha do passado, baluarte fundamental para o controlo do rio. O general fez questão de levar Carlos ao castelo. Fizeram a curta travessia num pequeno barco, enquanto o rio era polvilhado pelos marítimos, os pescadores da zona. Depois da visita, seguiram para a nova casa da família Fernandes, sendo que o general guardou uma surpresa agradável para o final, emprestando-lhe o cavalo para as suas deslocações.

Sombras de Silêncio #75

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