Foi curto e pragmático o rescaldo realizado pela Guarda, que prometeu diligências futuras no encalço dos bandidos, mas não assegurou resultados. O senhorio afligiu-se bastante com a destruição dos bens. Não fosse a gratidão pelo episódio em Angola e talvez os responsabilizasse pelos estragos, alegando descuido. Porém, afiançou que, de momento, não poderia restituir os bens, desculpando-se com algumas dificuldades financeiras.
Nos dias seguintes, a família foi vivendo como pôde, ajeitando o que era recuperável e deitando fora o que estava irremediavelmente estragado. Joana coseu os lençóis da cama e ajeitou algumas roupas, aproveitando o dinheiro que o marido trazia na carteira para comprar a sobrevivência imediata, em particular do filho.
Durante essa semana, Carlos decidiu pedir ajuda ao seu amigo Afonso Pala. Foi até ao seu gabinete, mas ainda antes de lhe contar sobre o assalto já o capitão agradecia a circunstância da sua presença.
– Precisava mesmo de falar contigo! Lembras-te de quando estiveste na biblioteca da nossa casa em Oeiras. Pois bem… desculpa estar a incomodar-te com isto. Nem sei o que devo dizer, mas… será que tu não tiraste alguma coisa de lá?
– Sim, tirei que os egípcios eram espertos – respondeu o sargento.
– Carlos, estou a falar a sério! Não terás encontrado por lá um relógio de bolso?
De forma inesperada, não foi fácil para Carlos compreender e pesar qual das respostas poderia ser mais prejudicial. Pelo arrependimento antecipado, como se fosse uma criança depois de ter feito uma travessura, acabou por negar o roubo, adiantando logo de seguida que a sua casa é que tinha assaltada. No momento de silêncio que se seguiu, Afonso não se mostrou surpreendido e Carlos suspeitou que as circunstâncias estariam relacionadas. Já certo que os assaltantes deveriam estar à procura do relógio, Carlos insistiu na sua inocência e pediu mais esclarecimentos.
– Existem muitas sociedades, umas mais secretas do que outras. Nós fomos apanhados numa história de interesses entre sociedades e pessoas com muito poder. Como teu amigo e colega, tenho o dever de te avisar que és o principal suspeito do desaparecimento de um relógio que estava escondido na biblioteca. Se és culpado, ainda estás a tempo de te retratares. É o melhor que podes fazer.