– Nom se preocupe, eles nom mordem – disse o pastor, sorrindo.
– Eles não mordem? Mas então por que estão à minha espera?
– Isso nom sei. Barcina? Butrão? Venham cá, que esse é bom moço.
– Dê-lhes antes umas bordoadas que eles não entendem a razão!
Os cães deixaram a posição de guarda e rodaram freneticamente em torno de Miguel, como se esperassem algum prémio por terem conseguido controlar a ameaça. Como apenas lhe registaram um sorriso, regressaram para junto do rebanho.
– Eles nom fazem mal…
– Pois, mas vinham para me morder – interrompeu Nuno.
Enquanto discutiam as verdadeiras intenções dos cães, Nuno aproveitou a guarida do pastor e seguiu até ao moinho.
– Vem cá buscar a farinha? – perguntou Miguel, já depois de terem entrado e enquanto Nuno pegava numa vassoura de giestas.
Miguel gostava muito de ver o moinho em funcionamento. Encantava-se com a arte dos homens em vencer a vida por meio de engenhos simples. Mas os jovens já não queriam saber da agricultura. Nas suas longas vigílias pelos montes, o pastor pensava muitas vezes no que ficaria do seu trabalho. Temia que, mais cedo ou mais tarde, chegaria o dia em que tudo iria acabar. Apesar de ter nascido, crescido e vivido a maior parte dos seus dias longe do mosteiro e da quinta, o ambiente que ali encontrou era do seu agrado e a ideia do abandono juvenil pesava-lhe na consciência. Pelos vales sopravam brisas de inevitabilidade e o futuro parecia um lugar ausente de memórias.
– Só venho limpar o moinho. Para levar a farinha precisava de trazer o burro e a carroça – respondeu Nuno.
Os dois foram trocando observações sobre o mundo que os rodeava e Miguel espreitava pontualmente para o rebanho, que continuava a pastar nas margens do rio. A conversa decorria apática e previsível, mas os monólogos de Miguel eram menos interativos. Quando os anos vergam as sombras solitárias, o simples facto de haver alguém para conversar é uma preciosidade que nunca deve ser descurada.