Sombras de Silêncio #67

Carlos pegou no relógio do bolso e voltou a analisá-lo com cuidado. Abriu depois a tampa traseira e identificou de imediato o símbolo maçónico. Intrigado, pegou numa faca e abriu a tampa interior, deixando cair para o chão um pequeno pedaço de papel, que a lamparina não deixou que ficasse no esquecimento. Apanhou-o e leu repetidamente o texto, escrito numa letra miudinha:

«Sombras de silêncio e solidão

Em segredo onde dão um mosteiro

No trono da ilha da saudade.»

Carlos não compreendeu o significado das palavras, que se escondia na estrutura rendilhada dos versos. Ficou ainda dividido sobre a substância daquela estranha mensagem. Lembrou-se depois da coincidência de ter encontrado o relógio precisamente depois de Afonso Pala o ter convidado para ir até à biblioteca da casa de Oeiras e considerou que talvez fosse mais um enigma do amigo.

Nos dias seguintes, Carlos foi vagueando a consciência por becos de incertezas. Esteve várias vezes para confrontar o amigo com a história, mas acabou sempre por desistir ao considerar os cenários de prejuízo pessoal perante a possibilidade de não se tratar de uma brincadeira.

Duas semanas passaram desde que Carlos estivera na casa de Oeiras. Nos primeiros dias, o relógio esteve guardado num dos bolsos de umas calças de pouco uso, no fundo de uma gaveta, esquecido pelo tempo. Contudo, o sargento passou depois a usá-lo. No domingo seguinte, Carlos decidiu passear pela zona ribeirinha para aproveitar o bom tempo. Joana ajeitara Miguel com umas calcinhas azuis de fazenda e com uma camisola de lã desbotada. Enquanto a mãe dava um ponto de costura numa blusa, Miguel deambulava desenfreado pela casa. Ao chegar à cozinha, onde estava o pai sentado à mesa, fixou o olhar num objeto que o pai tinha entre as mãos. Atirou-lhe de seguida as suas mãozinhas, mas o pai ergueu os braços, levando o petiz a fazer uma ameaça de choro ruidoso.

– É um relógio – disse Carlos, mostrando-o de longe ao filho.

– Meu! – respondeu Miguel, firmando a cobiça.

– Com cuidado! – pediu o pai, ao entregar-lhe o relógio de bolso.

Sombras de Silêncio #67

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