Sombras de Silêncio #66

– “Medicina em África” – leu o capitão. – Bem, pelo menos acertaste no continente!

– Sim… não… eu sei; tirei esse por acaso. A verdade é que não saí da cepa torta e desisti – esclareceu Carlos.

– Então Carlos, não precisas de ficar nervoso! Desculpa por estar a incomodar-te com estes disparates. Se quiseres podemos ir. Já tratei dos meus assuntos e os irmãos também estão para sair. Mas já agora o livro que deverias procurar era este – mostrou Afonso, que ainda assim tentou de seguida elucidar o sargento sobre como Tales de Mileto tinha conseguido determinar a altura da pirâmide.

Apesar de acenar com a cabeça a cada silêncio perscrutador, Carlos mal escutava o que ele dizia, preocupadíssimo se deveria contar ao amigo sobre a descoberta do relógio. Sentiu-se perturbado por parecer um ladrão, esticão da amizade, e de como isso poderia afetar a sua credibilidade. Acabou por acreditar que o relógio tinha sido esquecido pelo tempo ou abandonado por alguém, precisamente quando Afonso salientava a mais-valia da Matemática em resolver problemas complexos por meios simples. Carlos concordou.

Saíram pouco depois e Afonso devolveu Carlos a casa. Pelo meio, Afonso foi incapaz de resistir ao impulso para inquirir o sargento sobre como se poderia calcular a dimensão do planeta usando um método semelhante. Carlos, ainda que ficasse admirado com essa possibilidade, respondeu-lhe que deveria escolher um bom assento para esperar pela resposta. Durante a viagem não chegaram a falar do tempo ou de relógios de bolso.

Ao chegar a casa, Carlos dirigiu-se primeiro ao quarto, onde Joana e o filho dormiam sossegados. Foi depois para a cozinha e aproximou-se da janela. Dois homens embriagados tinham saído de uma taberna e deambulavam sem rumo pela rua, cantarolando os seus infortúnios. O tom desafinado e a inoportunidade do espetáculo levaram a muitos impropérios de pessoas que entretanto tinham acordado. A diversão acabou quando alguém atirou um balde de água sobre os artistas.

Sombras de Silêncio #66

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