Sombras de Silêncio #58

Com os planos iniciais defraudados, os revoltosos mantiveram o impasse durante algum tempo. Depois, alguns oficiais entrincheirados na rotunda acabaram por abandonar as posições, entre os quais Afonso Pala e Cândido dos Reis, que vagueou pela cidade no seu carro, desgostoso pela ruína das suas intenções. O chefe militar da revolução sucumbia assim à pressão do insucesso aparente. Carlos, ao ver o seu amigo abandonar a luta, nem sequer pestanejou e seguiu para casa. O percurso não foi fácil, pois as ruas fervilhavam de constantes movimentações e um cabo fardado que descia para o Rossio levantava dúvidas sobre quais seriam as suas motivações. Quando chegou a casa, Joana chorou efusivamente de alegria. Abraçou-se a ele como se fosse um desejo em busca de uma estrela cadente, rogando-lhe para que não voltasse a sair de casa.

Ao raiar do dia, os revolucionários dominavam a Rotunda e Alcântara, contando com a artilharia do exército e os canhões da marinha. Os políticos republicanos, divididos nas intenções, não dedicaram um apoio efetivo à causa revolucionária. Com o amanhecer surgiu também a notícia de que o almirante Cândido dos Reis fora encontrado morto com um tiro na cabeça, numa azinhaga em Arroios. Cometera suicídio. O governo procurava organizar as forças do exército leais à monarquia parlamentarista, distribuindo-as pelo Paço das Necessidades para defesa d’elrei e do Quartel-General. Os elementos da Polícia Civil, da Guarda Municipal e da Guarda Fiscal foram divididos pela defesa de pontos considerados fulcrais, como a Estação do Rossio, a Casa da Moeda, a residência do Presidente do Conselho de Ministros, o posto dos Correios no Rossio e o depósito de munições de Beirolas.

As forças militares monárquicas no terreno, lideradas pelo herói de guerra Paiva Couceiro, lançaram então um ataque sangrento sobre os dissidentes. Ainda que com algumas dificuldades, conseguiram avançar e preparavam um ataque final à Rotunda, esperando pelos reforços indispensáveis. Por razões aparentemente estranhas, o general António Carvalhal não só recusou o envio de reforços como ordenou a retirada dos militares. Tal atitude apenas pôde ser entendida cerca de vinte e quatro horas depois, aquando da sua nomeação para chefe da Divisão Militar do novo governo.

Sombras de Silêncio #58

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