Sombras de Silêncio #56

Na capital, os republicanos contavam com um apoio popular muito significativo, fruto das constantes incursões que foram minando e desprestigiando a monarquia parlamentar vigente. O país seguiria a mudança política em Lisboa, mas os republicanos consideraram que seria proveitoso que a ideologia se ramificasse. Em meados de setembro, a crescente contestação dos operários no Barreiro face à precariedade serviu para um endurecimento do protesto contra o recente governo. Mediante a instabilidade social na margem sul do Tejo, o governo enviou um contingente militar para se opor à situação conflituosa. No Tejo, junto ao cais de Alcântara, estavam estrategicamente fundeados três navios de guerra, os cruzadores S. Rafael, S. Carlos e Adamastor. A instabilidade foi-se disseminando pelas colinas de Lisboa e ameaçava soçobrar em perdição sobre as cabeças proeminentes da direção política e militar do reino.

No início de outubro já cheirava a revolução. António Teixeira de Sousa ordenou que os quartéis ficassem de prevenção e os cruzadores abandonassem as suas posições. O ferro e o fogo preparavam-se para invadir a pacatez dos incautos. Os chefes republicanos reuniram-se no princípio da noite do dia 3 de outubro numa casa da rua da Esperança e dividiram-se nos seus propósitos. Enquanto a maioria sustentava que o fortalecimento da posição política conduziria, de forma natural, o republicanismo ao poder em Portugal, outros consideravam que chegara o momento oportuno para se fazer uma mudança drástica no rumo do país. Surgiu então a notícia que o médico Miguel Bombarda tinha sido assassinado a sangue frio no Hospital de Rilhafoles, o manicómio de Lisboa. Ainda que tivesse sido obra de um doente mental, os republicanos entenderam o incidente como o primeiro tiro de uma batalha pelo poder em Portugal. Para os mais céticos, a tragédia abatida sobre o homem que detinha todas as chaves da revolução era o motivo para se cancelar o movimento. O almirante Cândido dos Reis, chefe militar da ação, reforçou o propósito de concretizar a revolução, ainda que ficasse sozinho. Porém, o almirante foi precedido na determinação pelo comissário naval Machado dos Santos. Enquanto as altas esferas militares discutiam alternativas, o comissário ordenou que se controlassem os regimentos de Infantaria 16 e Artilharia 1. Machado dos Santos mandara aprontar e escovar o fato militar, aceitando de antemão os diferentes destinos que se dispunham à sua frente com a mesma coragem. Nascia por fim um movimento determinado em terminar com a monarquia em Portugal.

Sombras de Silêncio #56

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