O capitão sorriu e abandonou a sala sem responder à curiosidade. Carlos concluiu que deveria tratar-se de mais um enigma. Por momentos temeu que o fossem obrigar a passar por cima de brasas com o pé descalço, mas considerou depois que a ideia não fazia sentido. Confiava nas palavras do seu amigo e julgou que não haveria perigo de se aleijar. Despiu-se e começou por vestir as calças, ficando admirado ao notar que a camisa fora rasgada ao meio, restando apenas a metade direita. Pegou então no chinelo e calçou-o no pé direito. Encontrou ainda um avental branco que atou à cintura.
– Todos os homens nascem para trabalhar – balbuciou.
Carlos passou os momentos seguintes a deambular pela pequena sala, curioso e expectante quanto ao que lhe iria acontecer. Cerca de meia hora depois surgiu uma voz que Carlos reconheceu como sendo a de Afonso Pala, mandando-o colocar de novo a venda. Após acatar a orientação, Carlos ouviu a porta ranger e contou em frenesim os passos que se aproximavam.
– Arregace a calça da perna direita até ao joelho – disse o capitão, já com um avental azul amarrado à cintura, um chapéu pontiagudo enfiado até às orelhas e uma capa negra que o cobria até aos joelhos.
O guia colocou-lhe depois uma corda com um nó simples no pescoço. O iniciante questionou-se se seria de algum dependurado, mas preferiu livrá-lo do seu humor.
– Eu serei o seu guia. Confia em mim? – perguntou, num tom grave.
O iniciante anuiu. Julgou por bem ser uma voz conhecida a guiá-lo pela iniciação, apesar de saber que outros iriam aparecer para o testar.
– Acompanhe-me então. Se, por alguma razão, quiser desistir, bastará dizê-lo. Não deve, de modo algum, retirar a venda que lhe cobre o rosto. Estará sujeito a represálias. Entende e aceita estas condições?
– Sim – respondeu o iniciante, indagando sobre a dimensão das consequências que lhe estariam destinadas. A voz amiga desaparecera e surgiram indicações metódicas. O guia segurou-lhe o braço e avançaram lentamente por um corredor ladeado por mosaicos vistosos que expunham imagens cruas da natureza. Entraram de seguida noutro corredor, paralelo à fachada da casa, e prosseguiram para a esquerda, indo bater à última porta.
– Quem é? – alguém perguntou.
– Um ímpio deseja entrar e caminhar nas brumas dessa terra indomável – retorquiu o guia.
– Que entre!