Sombras de Silêncio #49

Em meados de março, Carlos ficou a saber que a sua cerimónia de iniciação estava marcada para o primeiro domingo da primavera. Foi com uma ansiedade crescente que o dia chegou. Durante a tarde, Carlos passeou com Joana e Miguel pelo Terreiro do Paço, abstendo-se de contar a novidade à esposa, por considerar que seria uma preocupação desnecessária. Depois do jantar, sob a vigilância da Lua Nova, um Peugeot parou em frente da casa de Carlos. À porta apareceu Afonso Pala, vestido de fraque. Carlos ainda insistiu se a sua indumentária seria a mais correta, mas o capitão assegurou que mais tarde a questão seria resolvida. Entraram no veículo e de imediato Afonso Pala pediu a Carlos que colocasse uma venda nos olhos, que o próprio capitão fez questão de atar com um nó duplo. O tecido negro não permitia qualquer vislumbre do que se passava à sua volta.

Durante a viagem, o cabo apenas ia escutando os gritos do capitão para que os transeuntes se arredassem do caminho. Deixaram Lisboa para trás e em pouco mais de meia hora chegaram a uma pequena herdade que ficava nos arredores de Oeiras. O portão abriu-se e o carro seguiu até à casa, estacionando ao lado de outros que já ali se encontravam. Era um edifício do século XVIII, posterior ao grande terramoto; tinha uma fronte retangular, cujas medidas obedeciam à razão dourada e onde sobressaíam quatro colunas de mármore. Carlos, que continuava de olhos vendados, esperou que o capitão o ajudasse a sair do automóvel e a entrar na casa. Seguiram até uma pequena sala, a Câmara da Reflexão, onde Carlos foi liberto da venda.

Duas velas ardiam em castiçais elegantes. A zona central era um quadrado de mosaicos que alternavam entre o preto e o branco, como se fosse um enorme tabuleiro de xadrez. No meio havia uma mesa rebuscada de pinho, onde repousava alguma roupa. A cada um dos cantos erguiam-se quatro colunas até à altura do umbigo, sobre as quais estavam quatro caveiras humanas, decoradas por traços indeléveis. Nas paredes havia quadros com textos alusivos à iniciação maçónica, que Carlos reconheceu do livro.

– Vista a roupa que ali está e calce o chinelo. Daqui a pouco virei para o levar e propor o seu nome à iniciação. Aproveite para relembrar algumas coisas que leu no manual de iniciação – disse-lhe o capitão.

– Um chinelo?

Sombras de Silêncio #49

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