Sombras de Silêncio #48

– Diga-me, eu ia batizar o meu rapaz lá para o final de fevereiro, mas agora já não sei se é oportuno – referiu Carlos.

Afonso Pala deu uma gargalhada e puxou de um charuto, enquanto Carlos seguia os seus movimentos, indagando qual teria sido o motivo da graça.

– Ó homem, se há coisa que nós valorizamos é o direito de as pessoas escolherem qual o deus que querem adorar. Não existe qualquer limitação religiosa. Acreditamos todos no Grande Arquiteto do Universo, o construtor de tudo o que nos rodeia. Acontece que esta… entidade, ao longo dos tempos, tem sido vista de forma distinta por hebreus, cristãos, muçulmanos e até pelos budistas. Mas cada um é livre de rezar da maneira que entender. Acima de tudo está a liberdade de cada um, desde que não entre em conflito com a liberdade dos outros.

– Assim já fico mais descansado, pois iria ser o cabo dos trabalhos para convencer a minha senhora a abdicar do batismo da criança – confidenciou o cabo.

– Não se preocupe com isso. Deve preparar-se para a cerimónia.

– Qual cerimónia?! – perguntou Carlos, bastante admirado.

– A da sua iniciação! Ou pensa que está a entrar para o clube lá do bairro? Tudo é cuidado ao pormenor. Você cumprirá os preceitos estipulados, tal como todos os outros. Mas não se preocupe. É como um casamento, mas não poderá escolher a mulher! – revelou o capitão.

– E o que devo fazer?

Afonso abriu uma gaveta da secretária e tirou um pequeno livro de capa negra, onde estava embutido um símbolo que a Carlos pareceu a letra «A», mas que na realidade era composto por um compasso entreaberto e por um esquadro sobrepostos.

– Primeiro, é importante que conheça os nossos símbolos, história e ritos. Depois, terá de morrer.

– Morrer?! – inquietou-se Carlos.

– Sim, é necessário que morra o antigo Carlos Fernandes e que nasça um novo, fiel à causa maçónica. É fundamental que confie nos seus guias e em todos os que estão ao seu lado. Durante a iniciação será sujeito a provas e é imperativo que confie nos seus futuros irmãos. Só assim estará verdadeiramente inserido. Caso contrário será um mero maçon de carteira. Um moço dos recados!

Carlos passou os dias seguintes mergulhado nas oitenta e uma páginas do manual de iniciação. Leu-o por três vezes e decorou a maioria dos diversos símbolos, alegorias e ritos que conduziriam à sua entrada na sociedade, que ele considerava uma porta para outros voos mais ambiciosos e sobretudo proveitosos. Afonso Pala ia acompanhando o processo e clarificando algumas dúvidas, ainda que por vezes a curiosidade do cabo esbarrasse na determinação do capitão em não revelar mais do que devia.

Sombras de Silêncio #48

Comentários