Sombras de Silêncio #47

Carlos ficou estarrecido com a argumentação do jornalista e acabou por dizer que concordava com a opinião, reforçando que o problema estava na concretização da ideia, num país de costumes demasiado brandos.

– Que se mudem os costumes! Haja uma revolução que endireite este país! – interveio Machado dos Santos, propondo em seguida um brinde.

Cada um à sua maneira imaginou a materialização do sonho, invocando formas distintas de o concretizar, mas assumindo privilégios semelhantes. A conversa foi-se prolongando pela tarde, alicerçada na crítica à monarquia. Carlos ia subscrevendo o que ouvia, contribuindo também com pequenos apontamentos, mas evitando imiscuir-se demasiado em assuntos que escapavam à sua compreensão.

Alguns dias depois, Carlos ficou desconfiou do verdadeiro propósito daquela tertúlia, quando Afonso Pala o convocou para estar no seu gabinete. Revelou-lhe então, a troco de sigilo absoluto, que estava considerado para entrar numa sociedade secreta, como recompensa pelos esforços dispensados em prol da causa republicana.

– E que sociedade é essa? – questionou o cabo, enquanto se sentava na cadeira defronte da mesa do capitão, intrigado pelas palavras do amigo.

– Ao Grande Oriente Lusitano – respondeu Afonso Pala, de olhos postos no cabo e à espera de um sorriso de agradecimento.

Carlos ainda tardou a reagir, atónito pela revelação. Lera nalguns jornais sobre a influência crescente que a maçonaria tinha um pouco por toda a Europa. Dizia-se nas entrelinhas que alguns dos principais políticos portugueses seguiam os seus ideais, inspirados pelos movimentos revolucionários e na esperança de um mundo mais justo e livre. Na América, por exemplo, contavam-se pelos dedos das mãos os presidentes não maçónicos.

– O que é que conhece da maçonaria? – inquiriu Afonso.

– O que li nos jornais ou ouvi por aí; nada de concreto. O capitão também pertence?

– Claro que pertenço, homem de Deus, por isso aqui estou a ter esta conversa consigo – respondeu Afonso.

Nos momentos seguintes, o capitão trouxe ao conhecimento do cabo, de um modo muito subtil, como estava organizada a maçonaria portuguesa, salientando os diversos graus, os ritos, os símbolos e sobretudo as linhas orientadoras da sociedade, sob os signos da justiça social e da filantropia. Carlos ouviu atentamente e sentiu ainda mais curiosidade em entrar para o grupo.

Sombras de Silêncio #47

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