Sombras de Silêncio #46

– Senhor Carlos, dedique-me agora algum tempo, se fizer o favor – interpelou-o Sebastião Magalhães Lima.

– Com todo o gosto – retorquiu o cabo.

– Conhece os princípios universais da revolução francesa?

– Acho que são… a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Mas por que pergunta? – respondeu, Carlos, sentindo-se como se estivesse de regresso à instrução.

– São de facto esses. E diga-me, o que representam para si? – replicou o Sebastião Magalhães Lima.

– Bem… creio que é o mesmo que representam para toda a gente. O Homem nasce livre, somos todos iguais e devemos viver de forma fraterna, como se fôssemos irmãos.

– E acredita no significado que atribuiu às palavras? – voltou a inquirir o homem, enquanto metia um charuto à boca.

– Bem, o facto de a sociedade viver um pouco ao avesso do seu significado não invalida que acreditemos nestes princípios. Acho que vivemos tempos difíceis e as pessoas preferem ver o pão na mesa em prejuízo do orgulho da alma – respondeu Carlos, ostentando um sorriso inquieto.

– Observação curiosa. O caminho do bem nem sempre é o mais fácil. Contudo, viveríamos melhor se essas palavras deixassem de estar apenas nos livros dos abastados e passassem a fazer parte do quotidiano dos mais necessitados. Se os restos da comida da realeza fossem distribuídos pelos pobres, metade da fome desapareceria de Portugal. Ao invés, preferem deitá-la aos animais. Estamos num país onde um cão d’el-rei vive melhor do que a maioria da população. Sabe em que condições vivem os portugueses da província? Trabalham de sol a sol para ganhar uma migalha! Que lei é esta que deixa alguém, só porque é dono das terras, ficar com o fruto do trabalho dos outros? Temos de fazer algo por estes homens ou o país definhará! Razão tinha Rousseau, o mesmo que lembrou ao mundo os princípios que vossa excelência enumerou, quando disse que o culpado de todos os pecados do Homem foi o primeiro que, achando um pedaço de terra do seu interesse, cercou-o com pedras e ainda conseguiu convencer outros homens que aquilo era de facto seu. O que se teria poupado se, naquele momento, alguém tivesse aparecido e desfeito as marcações, fazendo-o entender que a terra não pertence a ninguém. E que dizer da velha Igreja? Agarrada a dogmas milenares que arrastam as pessoas para a ignorância, enquanto os seus padres, bispos e afins vivem bem longe das diversas abstinências que juraram defender. Mas pior do que isso é a sua intromissão constante em assuntos de estado, nas leis e no governo deste país dirigido por imbecis subservientes.

Sombras de Silêncio #46

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