O primeiro de novembro trouxe um arraial de alegria aos republicanos, com a eleição da primeira vereação do partido para a Câmara Municipal de Lisboa, após a desistência dos partidos ligados à monarquia. Também nesse dia, Carlos participou na mudança, deambulando pelas diversas urnas espalhadas pela cidade. Entre os vencedores, os mais otimistas acreditavam que esta seria a primeira de muitas vitórias, num movimento inexorável que a breve trecho colocaria a velha guarda monárquica encurralada pela vontade de uma cidade determinada na afirmação da liberdade. Outros, mais extremistas, apesar de agradados pelo método democrático, ansiavam por uma mudança mais radical.
Os comícios republicanos espalharam-se pela região como se fossem míscaros depois de um agosto chuvoso. Carlos tornou-se num ajudante assíduo, para mal das preocupações de Joana, que receava que o marido fosse preso. No início do ano novo, num desses comícios, Carlos acompanhou Afonso Costa a uma fábrica de cortiça no Barreiro. O patrão tinha deixado de pagar aos trabalhadores e havia um descontentamento geral sobre as condições de trabalho. O advogado senense prontificou-se a estabelecer a ligação entre os operários e o patrão, acenando com uma futura aprovação de dispensa de alguns presidiários de delito comum da cadeia do Aljube para trabalharem gratuitamente na fábrica. Afonso Costa discursou num palanque improvisado perante os trabalhadores. Ao anunciar o êxito que tinha obtido nas negociações, salientou as virtudes republicanas e foi aplaudido pela maioria das pessoas de forma efusiva. Outros, mais renitentes, julgavam que as promessas fáceis que seriam varridas pelo vento. Entre aqueles que não aplaudiram estava um homem de barbas desgrenhadas, próximo do palanque. Tinha um longo barrete enfiado na cabeça e um revólver na mão, que apontou de seguida ao orador.
Carlos, que estava ligeiramente atrás do político, conseguiu perceber o movimento do homem e saltou de encontro a Afonso Costa, empurrando-o. Ambos caíram de forma aparatosa no chão enlameado. O homem ainda tentou um segundo tiro, mas foi de imediato imobilizado pelos trabalhadores, que lograram tirar-lhe o revólver sem que alguém ficasse ferido. No meio do tumulto, Afonso e Carlos levantaram-se vagarosos e atentaram, receosos, se mais alguma ameaça espreitava. Ao lado, a multidão pontapeava o homem, que jazia indefeso no chão, com as mãos sobre a cabeça e o dorso enrolado.