– As linhas mostram uma vida longa. Vai casar-se com uma mulher muito bonita e que o fará feliz até ao fim dos seus dias.
Carlos e Joana esboçaram um sorriso contido de expetativas.
– Mas é preciso cuidado porque… estão a ver aqui? – notou a mulher, apontando para a mão minúscula de Miguel – Este pequeno risco, nesta linha da vida…
– O que significa? – interrompeu Joana, curiosa.
– É estranho… parece-me uma desgraça, mas não tenho a certeza. Se quiserem, podemos ir até à minha casa, ali p’rós lados de…
– Vamos lá ter calma! Nós não vamos para lado nenhum. Acabe lá com a previsão, que temos mais que fazer – adiantou-se Carlos, num tom coloquial
– Pois, com certeza. Deixe lá ver o que há mais escondido. Cá está! Será um homem importante. Dos principais! Terá muitos homens à sua guarda.
Carlos imaginou, com orgulho, que o rebento seguiria as pisadas do pai e enveredaria pela vida militar.
– A história deste século não poderá ser escrita sem o seu nome…
– Miguel Fernandes – acrescentaram os pais.
– Miguel Fernandes. Vai mudar muitas vidas. Até lhe vão erguer uma estátua!
Os pais, embevecidos pelas palavras simpáticas da vidente, acabaram por oferecer mais dois réis pelo serviço. Seguiram depois para casa envoltos por um misticismo agradável que lhes revolvia a imaginação. Joana idealizava Miguel como um político de renome, próximo da realeza. Passou então uma das mãos pelo nariz e ainda conseguiu rememorar o cheiro a peixe; suspirou depois a esperança. Carlos continuou a imaginar o descendente como um general, mas longe da política.
Orientado por Afonso Pala, Carlos começou a sensibilizar os seus soldados dos problemas que sustentavam o regime monárquico em Portugal, cravado pela incompetência em gerir o país e assolado por inúmeros escândalos de cariz diverso. A elite continuava a viver de extravagâncias, enquanto o povo mal tinha uma côdea de pão para comer. Os homens, que antes se sentiam inclinados a testar a paciência do cabo, eram agora fiéis seguidores da sua doutrina. Carlos passou também a participar na campanha republicana para a Câmara Municipal de Lisboa. Ia aos comícios, mobilizava os colegas e distribuía jornais de carácter vanguardista, nomeadamente o Alma Nacional. Carlos aproximava-se cada vez mais da mudança que pretendia ter a primazia de fazer política em Portugal. Todos os dias surgiam histórias, cujos contornos oscilavam entre o real e o imaginário, que denegriam a imagem da monarquia. No quartel, os modernistas abandonaram os cochichos aos cantos e passaram a conversar em pequenos grupos.