Sempre que as obrigações lhe permitiam, Carlos delongava-se no gabinete do capitão Afonso Pala. Num desses momentos, o capitão questionou-o sobre que causa defenderia no caso de estalar uma nova revolta. Carlos acabou por se enquadrar com os ideais republicanos. É muito difícil convencer um homem a enveredar por um caminho se o mesmo não for alumiado por algum conforto pessoal. Afligia-se pela perspetiva de não conseguir garantir o sustento para a sua família e pareceu-lhe que teria mais garantias se escolhesse apoiar a corrente republicana.
José Francisco regozijou-se com facto; não por considerar fundamental o apoio, mas sobretudo pela moralidade subjacente à mudança. A posição política de Carlos ficou cunhada algumas semanas depois, na casa do próprio José Francisco. Na presença de muitos republicanos, Carlos garantiu o seu apoio à causa e adiantou ainda que estava disponível para ajudar. Naquela tarde de domingo, a conversa foi discorrendo de forma natural. Falou-se de comícios, manifestações, angariações de novos membros e propostas a serem apresentadas nas assembleias. Cada opinião era rebuscada pela necessidade de endurecer a luta face ao regime d’el-rei D. Manuel II, controlado pela mãe. No rescaldo da reunião, Carlos ficou incumbido de colaborar na incorporação de soldados para as fileiras do movimento republicano. Nos dias seguintes, Afonso Pala esclareceu o cabo das diferentes posições dos homens no quartel do Campolide, diferenciando entre os de confiança, os desprezíveis e os pelo preço certo poderiam ser confiáveis.
No final de setembro, a família Fernandes decidiu aproveitar os últimos dias quentes do ano e foi dar um passeio pelas lojas do Terreiro do Paço. Joana levava Miguel ao colo, embrulhado num lençol de afetos. As ruas e as lojas estavam polvilhadas de gente e tudo servia para fazer negócio. Os ardinas calcorreavam a calçada apregoando as novas da campanha republicana, liderada por Braamcamp Freire, à Câmara Municipal. Os vendedores de castanhas arrastavam os assadores ao encontro dos transeuntes e espalhavam um aroma a outono pela cidade. A família seguiu depois pela zona ribeirinha, observando os cacilheiros que ligavam as margens do mar da Palha. Já no regresso a casa foram interpelados por uma mulher andrajosa que lhes propôs uma leitura da sina a troco de vinte réis. Em uníssono, responderam que não estavam interessados. Contudo, a vidente não desistiu e regateou um vislumbre do futuro da criança por cinco réis. Expectantes, os pais aceitaram o desafio.