Sombras de Silêncio #41

– Mentira! É tudo mentira! – contrapôs o anfitrião, quase a espumar de raiva.

– Bem, assim não é possível qualquer tipo de entendimento – decidiu por fim interferir Afonso Pala. – Está esclarecido que o senhor José Francisco não esteve envolvido no assalto e eu acredito na sua palavra. Em relação à carta incriminatória, ele diz que também não teve qualquer envolvimento e eu não tenho razões para duvidar. Vim aqui, depois da nossa conversa, para oferecer uma palavra a seu favor e devo dizer que encontrei muita compreensão. Depois, veio o senhor todo alterado, por circunstâncias que em nada nos dizem respeito, e prejudicou o meu esforço. Deve haver contenção, não concorda?

Ao oficial, Carlos respondeu de um modo assertivo. Inclusive, pediu de seguida desculpas a José Francisco pela forma intempestiva como irrompeu pela casa. Voltou a salientar que as suas ações no dia do regicídio estavam subjacentes às funções que exercia, complementando que muito lhe tinha custado descobrir que tinha causado a morte a Manuel Buíça, um homem que ele considerava amigo. Acrescentou ainda que não lhe pesaria na consciência se o atentado fosse direcionado para o ditador João Franco, mas sentiu-se usado e enganado ao ver a família real encurralada pelas armas e a monarquia prestes a desaparecer.

O ambiente tornou-se menos belicoso e as posturas amainaram. À saída de Carlos, o anfitrião já lhe tinha desculpado e estava sensibilizado para não complicar mais a vida profissional do militar. Tal veio mesmo a acontecer. Com o passar do tempo, Carlos foi reconquistando a sua honra e deixou de andar cabisbaixo pelos corredores do quartel. Porém, nem os republicanos nem os monárquicos confiavam nele. Era necessário tomar uma posição em definitivo. Caso contrário, poderia ser julgado e condenado, porventura de forma ainda mais severa, por ambos os lados da barricada. Por um lado, a razão encaminhava a sua vontade para a defesa da monarquia; por outro lado, sabia que se aderisse à causa republicana teria pelo menos alguém que lhe garantiria alguma proteção. Aos olhos dos oficiais monárquicos, ele era tido como um revolucionário republicano e sabia que, por mais que fizesse, dificilmente poderia evoluir na carreira.

Sombras de Silêncio #41

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