– Meus senhores – interrompeu o médico –, não tomem decisões precipitadas. Não somos todos homens de bem? Não reconhecemos a razão quando a vemos? Vá lá, meus senhores! Vamos ter calma. Muito prejuízo tem havido por meros mal-entendidos.
– Diga então a esse senhor que pare de importunar a minha vida! – disse Carlos, ainda em pleno estado de exaltação.
– Mas que provas tem você do que afirma? – retorquiu José Francisco.
– Deixe-se de coisas! Você ameaçou-me, ou não se lembra? – devolveu o cabo.
– Claro que lembro! Lembro-me de muitas coisas desse dia, inclusive de você me ter apontado uma arma à cabeça e de ter provocado a prisão dos nossos amigos que estavam junto à Câmara Municipal. Lembro-me que se não fosse por vossemecê hoje viveríamos num país livre, sem a escumalha monárquica que come às custas de um país pobre!
– Amigo Francisco – interveio António José de Almeida –, não vale a pena ficarmos presos ao passado. O que lá vai, lá vai! O que importa agora é o futuro e não adianta chorar sobre o leite derramado. O senhor Carlos estava incumbido, por honra profissional, de defender a monarquia e fez aquilo que, na altura, lhe pareceu melhor.
– Por Deus, alguém me compreende! – exclamou Carlos.
José Francisco olhou estarrecido para o médico. Não entendia como poderia ele enveredar pelo favorecimento àquele homem que viera achincalhá-lo na sua própria casa. Porém, o pragmatismo do médico não lhe permitia acumular opositores aos seus ideais, preferindo uma possível angariação ao invés de uma vingança. Estava disposto a oferecer-lhe uma possibilidade de remediar as suas ações contra a causa republicana, pois entendia que qualquer ajuda era bem-vinda.
– Contudo, senhor Carlos, os bons modos ficam bem em todo o lado – continuou o médico – e a sua atitude não foi a mais digna…
– Mas como poderia ser, se ainda há pouco fui esmurrado e roubado por um vagabundo? – interrompeu, Carlos, mostrando as marcas faciais do encontro.
– Disso lavo as minhas mãos; não entro em pactos com essa gente… da sua laia.
– Vê, tudo não passa de um mal-entendido. Peço-lhe, senhor Carlos, que retrate a sua postura perante o meu bom amigo, que nada fez para merecer tanta hostilidade.
– Tubo bem, eu até aceito que ele nada tenha a ver com o assalto, mas é mais difícil convencer-me que não foi ele quem escreveu aquela carta maldita. Eu não sou parvo, doutor! E não me venha falar de laias, que a sua não é melhor do que a minha – respondeu Carlos, apontando o dedo para José Francisco.