Sombras de Silêncio #37

Enquanto a poeira do regicídio assentava na cidade das sete colinas, Carlos procurou restituir alguma normalidade à sua vida. Em casa, construiu um castelo de intenções para o filho; no trabalho, vivia perseguido pela desconfiança, imaginando ameaças a cada aresta da imprevisibilidade. Receava o que José Francisco lhe poderia fazer, temendo inclusive pela vida. Nos becos de Lisboa olhava-se de soslaio para novas incursões de extremistas contra a monarquia. Porém, os dias foram-se revezando sem sobressaltos. No quartel, as movimentações entre os oficiais republicanos esfriaram, enquanto se tentava descortinar os pormenores do acontecimento que conduziu D. Manuel II ao trono.

Para Carlos, tudo se alterou no dia em que o capitão Teixeira o informou que possuía uma carta, com remetente desconhecido, que o incriminava pela participação no regicídio. O oficial era um sujeito que usava óculos e abusava de um estigma de superioridade, oriundo de uma família que tinha investido várias gerações na vida militar. Carlos quase explodiu de raiva. Pelo que sabia, tinha sido o capitão que se envolvera no atentado. À medida que ia rebatendo as acusações, Carlos indagava como estaria organizada a trama e tentava perceber quem lhe poderia valer, tanto para realçar a verdade como para encobrir a mentira.

Foi marcada uma sessão formal para o dia 18 de fevereiro. O capitão Teixeira começou por interrogar o sargento se conhecia ou se já tinha tido algum tipo de contacto com algumas figuras ligadas à oposição republicana. Inocentemente, Carlos lá foi dizendo que conhecia alguns, mas que nunca tinha tido relação alguma com os assassinos. Logo de seguida, foi bombardeado com informações exatas dos dias e das horas em que esteve com Alfredo Costa e Manuel Buíça no Café Gelo. O sargento foi desperdiçando palavras enrodilhadas e ideias erráticas até que acabou por confirmar os factos. Corria já o inquérito em seu grave desfavor quando resolveu salientar que tinha sido ele a travar Manuel Buíça. O capitão argumentou que tal incidente apenas serviu para eliminar uma possível ameaça incriminatória do movimento golpista. Porém, os outros oficiais presentes na sessão concluíram que o seu envolvimento era real, mas não global. Por conseguinte, decidiram despromovê-lo a cabo, mas entenderam não haver matéria suficiente para outras medidas mais gravosas.

Sombras de Silêncio #37

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