Sombras de Silêncio #36

O sargento estava tão irrequieto que a calçada parecia queimar-lhe os pés. Ao seu lado passou um guarda municipal a correr. Num ápice, o sargento soube o que temia e teria de fazer.

– Não! Você não pode fazer isso. Não tem esse direito! – gritou Carlos.

José, notando o ar colérico de Carlos, desistiu de convencê-lo e tentou continuar o trajeto. O sargento tirou então um revólver do coldre e os dois ficaram especados numa inquietude desenfreada.

– Vai prender-me, depois de tudo o que eu fiz por si? – perguntou José, autoritário.

– Senhor guarda! Diga ao seu comandante para acudirem à Câmara Municipal, porque os revolucionários preparam-se para lá provocar um atentado – gritou Carlos.

– Você não pode fazer isso! – gritou-lhe José Francisco, enfurecido.

– Vá depressa, de que é que está à espera? – ordenou Carlos para o guarda, enquanto mantinha o revólver apontado ao amigo.

José, acossado por uma raiva inebriante, ameaçou avançar ao arrepio do medo e do sargento.

– Não queira provar o que o Buíça já conheceu – respondeu-lhe Carlos com firmeza, mantendo o revólver apontado.

– Você não sabe no que se está a meter! – ameaçou José, de olhar assertivo e com o dedo indicador em riste como se fosse uma arma programada para disparar no futuro.

O guarda desatou a correr e Carlos escoltou o amigo até casa, poupando-lhe a prisão. Algum tempo depois e já com a noite instalada, Carlos seguiu até à Câmara, onde alguns separatistas armados tinham sido surpreendidos pela Guarda Municipal. Apesar de não haver detenções, a ameaça republicana tinha sido desmobilizada.

No segundo dia do mês de fevereiro, o príncipe D. Manuel tornou-se rei de Portugal. A sua primeira medida foi depor o governo, condenando inclusivamente João Franco ao exílio em Itália, por força da vontade da rainha D. Amélia. Nos dias seguintes ao atentado, Alfredo Costa e Manuel Buíça foram sepultados no Alto de São João. Apesar da tentativa para que os seus túmulos permanecessem desconhecidos, as romarias ao local começaram de imediato. As campas eram diariamente cobertas por flores, glorificando os regicidas. Pela cidade, os comerciantes foram expeditos em perceber a dimensão comercial do atentado e os bilhetes-postais com as caras dos algozes circularam aos milhares. Os republicanos, apesar de inicialmente louvarem o atentado, demarcaram-se do regicídio. Sustentaram tratar-se de uma ação isolada, perpetrada por dois separatistas que representavam em severidade o descontentamento do país.

Sombras de Silêncio #36

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