– Larguem já esse homem! É uma ordem! – replicou Bernardo, interpondo-se entre os homens e afastando Girolme na direção da entrada do prédio, que estava radiante pela interferência, plena de pontualidade, do amigo.
– Mas que é isto?! Ouve lá, ó Salazar… – replicou o homem.
– Tu vais chamar Salazar ao raio que te parta! – interrompeu Bernardo, profundamente irritado – Ainda tu não existias e já eu lutava contra o regime!
Criaram-se então duas fações e cada uma tratou de segurar os dois homens, que ergueram os punhos de imediato. Girolme ficou liberto de qualquer ameaça e susteve a vontade de fugir, afirmando convictamente:
– Nós nã somos fascistas nem comunistas.
– Isto é que vocês são uns heróis! – continuou Bernardo – Quando vos cheira a liberdade vêm todos para a rua como se antes tivessem feito alguma coisa para a ter. Antes comiam e calavam como os outros! Eu, meu menino… há anos que ando nisto, a lutar e a levar pancada para que tu talvez possas cantar vitória. E digo mais: este homem, que na vossa esperteza saloia acharam que era um pide, também deu o seu contributo para este dia, trabalhando aqui como infiltrado. E tu? O que fizeste pela liberdade?
– Lá… lá sabe você o que é que eu fiz… e este… você diz que ele é infiltrado… só se for infiltrado do raio… – retorquiu.
– Cala-te e vai para onde não faças falta! – interrompeu Bernardo.
– Meus senhores?! – interpelou outro, de cabelos ruivos e barba alongada – Este não é dia para estarmos aqui com estas coisas. Nada está garantido. Enquanto a gente está aqui a perder tempo sobre discussões que não levam a nada, os soldados que estão no Terreiro do Paço precisam do apoio do povo ou isto não vai dar em nada. Deixemo-nos destas coisas e vamos ajudá-los a derrubar a ditadura!
– Falou bem! – ouviu-se.
– É isso mesmo! – concordaram outros.
– Vamos p’ra lá! – insistiram muitos.
Quase todos desataram a bater palmas à ideia, à exceção do mais empertigado, que insistiu que alguém deveria ficar ali a vigiar o edifício.
– Então ficas tu! Nós vamos para o Terreiro! – incentivou Bernardo, mirando-o sem medo. Desceu depois a escadaria e fez com que outros o acompanhassem.
– E eu vou ficar sozinho? – inquiriu o homem, num estado de nervosismo que ia muito além daquilo que aparentava.
– Você é que quis ficar. Venha, Girolme! – convidou-o Bernardo.