Sombras de Silêncio #29

– Sim, eu já percebi. Pois então que venham os corajosos e eu não me irei opor. Pode ser até que… – estancou Carlos, sonhando com o nascimento de um rapaz que seja capaz de torcer o destino à sua vontade.

– Tomou a decisão certa, meu caro. Que Deus nos proteja – congratulou-se José.

– Bem precisamos. E em que dia deverei esperar os revoltosos?

– Será no dia 28 deste mês, pelas três da tarde. Se houver alguma mudança, informá-lo-ei – esclareceu José.

– Na próxima terça-feira, portanto – observou Carlos.

José confirmou e os dois despediram-se num aperto de esperança. Mas ainda antes de ele transpor a porta, Carlos impôs uma última pergunta:

– E hoje, não era também dia de revolução?

José sorriu e deixou um lacónico «dia 28», desaparecendo de seguida na escadaria do prédio. Naquela noite, Joana não se contentou com as respostas evasivas e tentou dissecar quais as circunstâncias que poderiam condicionar a sua vida. Apesar de Carlos ser parco em pormenores, ela insistiu que o marido não se envolvesse em problemas alheios. Durante o fim-de-semana, o casal permaneceu em casa, à espera do nascimento da criança. Mas tal não veio a acontecer.

A manhã do dia 28 surgiu terrivelmente fria. Como de costume, Carlos seguiu para o quartel acompanhado pelos primeiros raios de sol. Almoçou na cantina e esperou impacientemente pelas quinze horas, próximo à casa das armas. Não notava quaisquer movimentações que pudessem desencadear uma revolta. Pelas dezasseis horas chegou ao quartel um pedido de ajuda na segurança de algumas esquadras de polícia espalhadas pela cidade, acometidas por alguns dissidentes. Mas a ação não foi aceite e os militares ficaram no quartel. A noite instalou-se e Carlos regressou a casa, testemunhando a instabilidade que percorria as ruas lisboetas. A cada beco surgiam notícias de que alguém fora preso. Enquanto dava voltas à consciência para perceber o que falhara na revolução, o sargento chegou a casa e encontrou a esposa sentada no corredor, envolta pela escuridão.

– As águas já rebentaram! É preciso chamar a parteira – gemeu Joana.

Sombras de Silêncio #29

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