Sombras de Silêncio #27

Lá fora, num país de elites descontentes e ansiosas por vingar a vontade dos seus interesses, o destino brincava às escondidas com a história do reino. No dia seguinte, Carlos levantou-se mais cedo que o habitual e saiu de casa, prosseguindo para Campolide. Parou numa tabacaria e pediu O Século, que destacava as detenções dos jornalistas republicanos França Borges e João Chagas, o ex-deputado e médico António José de Almeida, que ele conhecera em casa de José Francisco, e ainda Luz de Almeida. O jornal garantia ainda que mais detenções eram esperadas nos dias seguintes. No final da notícia, o jornal dava protagonismo à falta de estupefação do Primeiro-Ministro pelo facto de os republicanos recorrerem a bombistas para atingirem os seus intentos. Numa outra coluna, salientava-se a fuga que o jornalista Aquilino Ribeiro protagonizara em 12 de janeiro.

– Aonde é que isto irá parar? – perguntou-se Carlos, abanando a cabeça.

– A alguma desgraça! – respondeu-lhe um transeunte, levantando o seu elegante chapéu de coco e desaparecendo em seguida, carregando um jornal debaixo do braço e uma bengala na outra mão.

Pensado e pesando as circunstâncias e as consequências, ao chegar ao quartel, Carlos vagueou até ao gabinete do capitão António e meteu o sobrescrito por debaixo da porta. Prosseguiu depois até ao seu gabinete, sentou-se e serviu para si um copo de uísque. Ainda não começara a beber quando alguém lhe bateu à porta. Era um sargento de cavalaria, que o vira próximo do gabinete de António Teixeira e lhe vinha perguntar se algo se passava. Sem pestanejar, Carlos fez-se despercebido, referindo que por ali passara por descuido. Emborcou depois o líquido num fôlego. Encheu novamente o copo e ofereceu-o ao colega, que o recusou e saiu de seguida.

Na manhã do dia 24, Carlos avisou Joana para que, independentemente do que viesse a acontecer naquele dia, ela não deveria sair de casa. Seguiu depois para o trabalho, atento a qualquer indício ou alteração. Mas tudo parecia normal, inclusive na casa de armas do quartel. Estava decidido a não ser ele o responsável por alguma tragédia, ainda que também não estivesse disposto a atravessar um corredor de fogo em defesa do governo. Se necessário, avaliaria as forças de cada lado da barricada e tomaria então uma decisão. Ao meio-dia, no almoço da cantina, somente as batatas malcozidas pareciam motivar alguma agitação. Já com a noite instalada, ao voltar para casa, apenas os elétricos e alguma algazarra nas docas provocavam ruído em Lisboa.

Sombras de Silêncio #27

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