Sombras de Silêncio #261

Ao deixarem a praça, Bilinho aproveitou também para esclarecer algumas incoerências e calúnias que tinham sido ditas. Miguel confortou-o e disse-lhe para não se preocupar, adiantando que não tinha acreditado no que escutara. Todavia, Bilinho não estava disposto a deixar que as arrelias ficassem impunes. Tentou então convencer Miguel a ajudá-lo a concretizar uma pequena vingança. Miguel recusou de pronto, mas Bilinho insistiu que seria uma brincadeira sem importância. Miguel acabou por anuir e os dois regressaram à praça ao arrepio da noite. Aproximaram-se então da motorizada dos Pintassilgos, estacionada em frente da taberna. O murmúrio que ressaltava das casas incrementava o receio de serem apanhados. Miguel manteve-se ansioso e nervoso, observando Bilinho, que se abeirou da motorizada e retirou-lhe o cachimbo da vela. Sem que fossem notados, Miguel e Bilinho desapareceram depois entre o silêncio da noite. Mais tarde, como nenhum dos homens que estavam na taberna era entendido em avarias de motorizadas, os irmãos tiveram de levá-la de empurrão para casa, maldizendo a infelicidade e o vendedor.

Chegados a casa, Bilinho tratou de arranjar um toldo roto da apanha da azeitona e entregou-o a Miguel, para que ele pudesse dormir com algum conforto no chão frio e sujo. Trocaram depois alguns comentários sobre o tempo que estava para vir. Quando Miguel pensou em direcionar a conversa para um possível itinerário até Lisboa, foi surpreendido com um ressonar quase imediato e barulhento do seu companheiro. Retirou então o relógio do bolso e desprendeu-o do cordão. Encostou-o depois ao ouvido, enquanto tentava deslindar o desconserto da sua vida. Misturou tudo o que foi com quem era e indagou sobre quem seria, como se fosse uma memória sombria perdida no lado mais negro da lua.

Nos dias que se seguiram à chegada de Miguel a Moura, Bilinho aproveitou para o inteirar da importância do seu trabalho, não apenas como coveiro, mas também como supervisor do cemitério. Miguel passou a ajudá-lo nas diversas tarefas, que também incluíam a limpeza de algumas ruas da vila. Para além do trabalho e da casa, os dois passaram também a repartir a alimentação. Antes da chegada de Miguel, quem preparava as refeições de Bilinho, em troca de uma singela retribuição mensal e alguma ajuda, era uma viúva que vivia à entrada da vila. Depois de conhecer Miguel e reconhecer a infelicidade da sua vida, ela passou a fazer um pouco mais, reformulando também o acordo. Bilinho sentia-se como se fosse um apóstolo do bem.

Sombras de Silêncio #261

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