Sombras de Silêncio #258

Considerações à parte, Miguel lá foi bebendo em goles diminutos, enquanto ia respondendo às dúvidas suscitadas pelo taberneiro, adiantando alguns pormenores do seu passado e escondendo outros que lhe pareciam demasiado intimistas. Considerou ainda por bem esconder o engano de o terem confundido com um comunista. Entretanto, os Pintassilgos acorreram também ao balcão e puseram-se à escuta daquilo que o Miguel ia relatando. Não demoraram muito a concluir que o seu encontro com Bilinho não tinha sido obra do acaso. A vida, por coincidência ou destino, tende a unir as suas pontas soltas.

A sucessão de copos fez disparatar Bilinho em cantorias que terminaram apenas quando o taberneiro lhe ordenou que parasse. Sem conseguirem, nem quererem, abdicar de algum divertimento desleal, os Pintassilgos retomaram então a proposta, mas Bilinho mostrou-se irrevogável em não arriscar a boleia. Miguel ainda não terminara o seu primeiro copo. Apesar de não diagnosticar qualquer má intenção na companhia, já não conseguia esconder a vontade de sair dali. Não se sentia confortável entre desconhecidos e numa terra incógnita. Puxava recorrentemente o relógio de bolso e olhava perdido para os ponteiros. Rodava depois o copo, quase vazio, de forma apreensiva. Ao notar que estava a ser observado, escondia o olhar por detrás de um sorriso.

Entretanto, o assunto da conversa mudara. O taberneiro e os Pintassilgos contavam histórias sobre Bilinho, que ia refutando alguns pormenores conforme a memória e a perceção lhe permitiam. Começaram por relembrar o dia em que ele ali chegara, há cerca de dez anos, pensando que estava a entrar em Lisboa, de acordo com as indicações que lhe foram dadas por uma vidente de Portalegre. Seguiu-se a história da grande confusão que desencadeou na vila quando encontrou um cão rafeiro e o acolheu. Inocentemente, deu-lhe o nome de Salazar, o que acabou por desencadear uma série de mal-entendidos que culminaram na chegada de dois agentes da polícia.

Sombras de Silêncio #258

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