Sombras de Silêncio #257

O espaço era pequeno, mas acolhedor, ideal para suster a solidão da planície. Por detrás do balcão estavam três pipos, postos em sequência do maior para o menor. Nas paredes brancas havia alguns quadros que estimulavam qualquer imaginação a tentar descortinar onde terminavam as formas paisagísticas e onde começavam as formas de mulheres desnudadas. Bilinho e Miguel sentaram-se depois ao balcão.

– Ó Afonso, deita aí dos, três, cato copos – disse Bilinho, voltado para o taberneiro, retocando eventuais mal-entendidos sobre a sua pessoa com uma generosidade à prova de qualquer calúnia.

– Também, por mais alguns alegravas toda a gente – tentou convencê-lo Afonso, enquanto agarrava na jarra –, mas só se tiveres o dinheiro, que aqui não há vinho p’ra malucos.

Bilinho olhou de soslaio para Miguel, sorriu e anuiu.

– É assim mesmo, Bilinho! – exclamou o mais novo dos irmãos – Afinal de contas, nós ontem apenas quisemos levar-te a casa, mas olha… o irmão estava tão tocado que se perdeu no caminho e… foi o que foi. Mas isto há de lá ir. Pelos copos que ‘tás a pagar, hoje vamos fazer uma nova tentativa e nem te levamos nada pela gasolina. Que dizes?

O palavreado do rapaz acabou por confundir e baralhar um pouco a determinação de Bilinho, que ainda esteve alguns momentos sem responder, até que a desconfiança antiga se sobrepôs, adiantando então que não estava interessado.

– Como queiras, mas talvez daqui a uns copitos já estejas mudado das ideias. Nós, como bons rapazes, vamos cá estar para te ajudar – completou o rapaz, erguendo o copo lhe fora servido pelo taberneiro, levando outros a fazer o mesmo.

Miguel olhava desconfiado para o copo, lembrando-se das arrelias que o vinho lhe trouxera há alguns anos atrás, numa estalagem não muito longe dali. Na sua juventude chegou a beber ocasionalmente, de forma muito atinada. Mas depois deixou o vinho esquecido, tanto por imposição como por vontade. Inclusive, em Espanha, Pablo justificou-lhe que o vinho tinha propriedades tais que enlouquecia qualquer homem, por mais fino que ele fosse; portanto, tal bebida não deveria ser dada àqueles que são pouco apurados.

Sombras de Silêncio #257

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