Sombras de Silêncio #256

Bilinho acrescentou então informações diversas sobre alguns clientes habituais. Tal levou Miguel a considerar que o espaço seria um antro de infelizes, o que lhe poderia abreviar a integração. Bilinho concluiu que, excetuando os Pintassilgos, eram todos filhos de boa gente e convenceu Miguel a entrar sem medos ou superstições. Bilinho tomou a dianteira. A entrada de Miguel concentrou sobre si os olhares presentes. De aspeto franzino e cabelos esbranquiçados, tentou esconder a vergonha a um canto. Após um instante de desconfiança, as atenções viraram-se para Bilinho e as gargalhadas sucederam-se.

– Ó Bilinho, tu és como aqueles gatos que são postos a estudar no meio das serras e mesmo assim conseguem retornar a casa. O vinho aguça-te o faro – disse o mais velho dos irmãos Pintassilgo, que estava numa mesa a jogar à guerra com as cartas.

Na mesa ao lado, o jogo da sueca foi interrompido de pronto e os quatro homens de suíças prolongados e capotes felpudos ficaram em suspenso para saberem quem era o estranho, divagando sobre as circunstâncias do encontro com Bilinho. Houve mesmo quem desconfiasse que Miguel deveria ter regressado a este lado do mundo após um trabalho mal-executado por parte de Bilinho.

– Tens muita piada, seu pardal – respondeu-lhe Bilinho, colocando-se no meio da sala – mas pode ser que… enfim. Este é o amigo Miguel, que acabou de chegar de… donde é que vossemecê veio?

– De Espanha, persuposto – respondeu Miguel, deixando escapar um sorriso nervoso.

– Olé, amigo – disse um dos irmãos, levantando-se e oferecendo-lhe um aperto de mão –, mas como é que você foi logo encontrar o coveiro Bilinho?

Ignorando que se tratava de uma pergunta eminentemente retórica, Miguel adiantou um « sei» e complementou-o com o sorriso alargado. Atrás do balcão da taberna, o dono também olhava, com um ar admirado, para Miguel, como se tentasse descortinar a sua história. A calvície atacara-o de forma severa e os poucos cabelos estavam tão esbranquiçados como a neve que vira, há muitos anos, em Marvão. O bigode era apurado e as faces rosadas. Pegou então no pano de flanela e passou-o pelo balcão metalizado, quase de forma inconsciente. Gostava de causar uma boa primeira impressão, ainda que o cliente não aparentasse ter muito dinheiro para despender.

Sombras de Silêncio #256

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