Sombras de Silêncio #252

Como a ajuda era demasiado debilitada, voltaram a cair e continuaram a rir. Depois de mais alguns minutos de histeria controlada, iniciaram uma cadência de perguntas e respostas curtas. Miguel ficou a saber que Bilinho passara o início da noite no café de Zé Afonso e, após beber muitos copos de vinho, teria sido trazido para ali pelos três irmãos Pintassilgo numa motorizada. E já não seria a primeira vez que eles o abandonavam num ermo. Miguel contou então que esteve em Espanha durante algum tempo, que nem ele sabia quanto, mas que fugira quando o patrão começou a marcá-lo com pancada.

Apesar de se considerarem mutuamente estranhos, estavam muito agradados com a base de entendimento que parecia existir entre ambos. Bilinho adiantou inclusive, num discurso errático e soluçado, que também já esteve para ir para Espanha, pois ouvira dizer que o «xerez era boa pinga». Todavia, ia-se aguentado no seu trabalho. Segundo o próprio, era dos mais certos que havia. As pessoas poderiam fugir de tudo, menos ao «cá te espero».

Mira, adonde voi se seguir este camiño? – perguntou Miguel.

Voi? P’ra mim tanto faz! Também já ‘tou com uma fomeca – respondeu Bilinho, manietando as pernas numa falta de equilíbrio tal que parecia estar a benzer o caminho.

Escutando o lamento, Miguel tirou do bolso do casaco o último pedaço de pão que lhe restava e dividiu-o com Bilinho, que lhe agarrou de imediato com laivos animalescos.

– Ora… deixa cá ver – disse depois Bilinho, ao olhar o horizonte, tentando descortinar qual o caminho certo para regressar a Moura –, parece-me que a minha casa fica p’raqueles lados. Vossemecê, p’ra donde vai?

Miguel não respondeu de imediato. Baixou o olhar e procurou, em vão, por uma resposta que lhe conferisse alguma segurança. Acabou por adiantar que qualquer sítio seria bom, desde que não tivesse guardas. Confessou depois que, há muitos anos atrás, tinha sido confundido com um comunista e acrescentou as maleitas que sofrera. Contudo, alertou Bilinho para que guardasse segredo da confissão. Bilinho pôs-se depois em considerações diversas, acabando por confirmar que pouco sabia de comunistas, mas adiantou que em Moura não havia muitos problemas com os guardas. Congeminou ainda duas ou três razões, e teria chegado à meia dúzia não fosse a embriaguez, que o levaram a perguntar-lhe se queria ir com ele.

Sombras de Silêncio #252

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