Nos finais de novembro, José convidou Carlos para um chá de intenções na sua casa. Algures a meio de uma conversa de circunstância, Alfredo Costa entrou esbaforido.
– Que tem, homem de Deus? – perguntou-lhe o anfitrião.
– Senhor… – interrompeu Alfredo, indeciso, arrastando o olhar para Carlos.
– Ó homem, diga de uma vez – retorquiu José.
– Aconteceu uma desgraça. O… Belmonte e o Lopes… morreram; o… Aquilino foi… preso – desabafou, por fim, Alfredo.
– O Aquilino Ribeiro? – perguntou Carlos.
– O que aconteceu? – inquietou-se José, ignorando a pergunta de Carlos.
– Eles estavam na casa da… do senhor Alpoim e… houve uma explosão.
– O paiol explodiu?
– Acho que sim… – supôs Alfredo, tentando acalmar o fôlego.
Carlos tentava perceber o que faria um paiol numa casa habitada e José olhou-o de soslaio por alguns momentos. O sargento pressentiu então que estava prestes a ser arrastado as profundezas de uma verdade inoportuna.
– Fez bem em não ir para lá. Já não há nada a fazer, senão lamentar o infortúnio. Mas quem diabo autorizou uma coisa destas? Que pena! E os outros, já sabem?
– Quem? – perguntou Alfredo.
– Quem haveria de ser?
Um breve impasse instalou-se na sala, sob o entreolhar dos homens. Carlos tentou delinear quem seriam os nomeados, intrigado sobre as razões que moviam as pessoas com estatuto a abdicarem de tudo por uma quimera de desenlace imprevisível.
– Não sei… senhor – respondeu Alfredo, parecendo sincero.
– Alguém precisa de os avisar. Posso contar consigo?
– Com toda a minha vontade – assegurou Alfredo, com um brilho resoluto no olhar.
– Diga-lhes que precisam de sair da cidade por alguns dias. Leve-os para… o sítio combinado e fiquem lá até ouvirem notícias minhas. Não voltem antes, pois não sabemos quais as repercussões deste maldito incidente.
Depois de Alfredo ter saído, Carlos recapitulou alguns momentos recentes da sua vida. Temia que as respostas de José fossem inconvenientes e optou por parecer desinteressado, sentado no divã da sala. Porém, José pretendia torná-lo num aliado.
– Senhor Carlos, não pense por favor que eu sou algum vilão…
– Eu nunca pensei isso – interrompeu o sargento.
– Nem julgue que o meu coração deixou de bater pela monarquia. Que Deus provenha el-rei D. Carlos de infindáveis dias como soberano deste país.
– Com certeza.
– Mas João Franco deve ser afastado do governo. Não lhe digo isto de forma gratuita. Bem sei os riscos que corro em revelar a minha posição a um sargento do exército. Acredito, contudo, no seu discernimento como pessoa de bem. Por outro lado, tenho a certeza de que há neste país fileiras de homens importantes que estão ao meu lado.
– Por quem me toma, senhor José, eu não sou um vil delator – esclareceu Carlos.
– Bem sei, mas nos dias que correm todos os cuidados são poucos. Unimos esforços na vontade de destituir o franquismo do reino. Tentámos pela política, mas a teimosia d’el-rei levou-nos percorrer outros corredores mais sombrios. Sempre com o objetivo de servir condignamente a nação! João Franco deve sair do governo e nós faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para que esse desígnio seja concretizado.