Na entrada, uma tabuleta de madeira anunciava «O fim do mundo». Entraram e encararam com dois idosos a comer uma açorda. O local tinha várias mesas e cadeiras dispostas à toa e funcionava também como taberna. No balcão jazia um pipo de madeira com uma caneca na torneira que ia apanhando as pingas que caíam. O homem, já careca mas de bigode farto, levantou-se e cumprimentou-os. Foi depois encher um copo de vinho e despejou-o sobre o seu prato. A mulher, de cabelo longo e esbranquiçado, ignorou-os e continuou a comer.
– Atão digam lá ao que vêm – acrescentou o estalageiro, enquanto remexia o prato com a colher.
– Tem algum quarto? – perguntou Aníbal.
– Si sinhora. É só um? – perguntou o estalageiro, trocando o olhar entre os dois.
– É só um – respondeu-lhe Aníbal, de forma ríspida e pouco agradado com o que lhe parecia ser uma insinuação indigna.
Miguel mantinha-se calado, olhando com espanto para a taberna e confiando no juízo do companheiro. O estalageiro levantou-se e foi para detrás do balcão, onde abriu o livro e pegou na caneta, perguntando de seguida:
– Faça o favor de me dizer o sê nome.
Aníbal olhou de soslaio para Miguel e respondeu:
– Amaral… Lagarto.
O homem apontou e entregou-lhe uma chave, mandando-o subir e seguir até à terceira porta.
– Ah, só mais uma coisa… bem, eu depois falo consigo – disse Aníbal para o estalageiro, subindo a escadaria com Miguel.
O quarto era pequeno e confinado, com o colchão esfarrapado de tiras vermelhas a dividir o espaço com uma janela de barras enferrujadas e uma mesa-de-cabeceira esburacada. Ao lado estava um tapete de lã acinzentado e aos cantos havia várias teias. Aníbal deitou-se no colchão e colocou o chapéu sobre a cara. Miguel sentou-se sobre o tapete, encostado à parede. Cerca de uma hora depois, num momento em que Miguel já ressonava, Aníbal levantou-se em silêncio e desceu à taberna para perguntar sobre a melhor maneira de atravessar a fronteira. Sabia que era demasiado arriscado passar de carro, mas desconhecia qual era o percurso mais eficaz.