Viajaram durante toda a noite e chegaram a Óbidos pelo amanhecer. Pararam numa bomba de gasolina à entrada da vila, a cerca de cem metros do aqueduto. Junto ao posto de abastecimento havia uma pequena casa de comércio e uma oficina improvisada. Apareceu de imediato um homem de aspeto franzino num fato-macaco castanho. Aníbal saiu do carro e pediu-lhe que enchesse o depósito de gasolina. Miguel, a mando de Aníbal, ficou no carro. Cerca de quinze minutos depois, e enquanto Miguel estruturava o seu passado mediante as novas circunstâncias, Aníbal saiu da casa com um pão de milho debaixo de braço, um pedaço de presunto curado e um fato-macaco sarapintado de óleo.
– O raio do carro não andava porque tinha o ar fechado. Olha, comprei-te este fato para não dares nas vistas – disse Aníbal.
Miguel pegou-lhe e agradeceu a oferta. Considerou mesmo que o encontro fortuito deveria tratar-se de mais uma benesse mariana. Aníbal ligou então o carro e, apesar das reticências que o motor ia acentuando, fizeram-se à estrada.
– Para onde é que queres ir? Eu agora vou virar a sul.
– Eu… nã sei – respondeu Miguel.
Há muito que pensava terminar os seus dias na prisão e nem mesmo a vã esperança na fuga o fez considerar outro destino. O primeiro pensamento que lhe ocorreu foi ir para Lisboa, logo depois de se lembrar que, supostamente, teria sido esse o destino da sua princesa. Apalavrou a intenção, imaginando que, por ventura, ela já teria seguido outra vida. Sem mais algum sítio para ir, gostaria de a rever, nem que fosse pela última vez.
– Mas eu não vou para lá. Se quiseres ainda te levo até Santarém, mas depois vais ter que te safar por ti. Eu vou para Espanha. De qualquer maneira, não me parece que tu estejas bom da cabeça. Então foges da cadeia e vais-te enfiar em Lisboa? Olha que lá há muitos guardas! Vale mais ires também para Espanha – respondeu-lhe Aníbal.
Miguel anuiu e agradeceu o conselho. Todavia, não sabia onde ou o que era a Espanha. Face às dúvidas, Aníbal salientou depois que poderia levá-lo até Elvas, mas depois não estava disposto a atravessar com ele a fronteira. Seria cada um por si. Miguel, que continuava com algumas dúvidas, respondeu que não havia problema algum.