O guarda caminhou em passos largos para o lugar combinado, mas encontrou apenas uma deceção profunda. Pensou então em ir à sua procura. Porém, naquele momento, o grupo de fugitivos chegou ao ponto de encontro. Para o guarda, tudo parecia escorregar em vinagre para um azedume profundo. Perdera Miguel e, em vez de quatro ou cinco homens, aparecem-lhe dez. Pela noite de sons abafados, alguns lampejos de luz cruzavam as calçadas do forte.
Sem saber que fazer, pressionado pela pressa dos comunistas, o guarda Alves estendeu o seu capote e passou-os pelo pátio, a coberto da vigilância de um outro guarda, para próximo do muro que dava para o piso inferior. Miguel continuava sem aparecer. O nervosismo do guarda não demorou muito a transformar-se em pânico, acabando por deixar alguns fugitivos para trás e encabeçando ele próprio a fuga. Os que ainda não tinham atravessado o pátio tiveram de o fazer sem ajuda, rastejando. Em condições normais, teriam sido apanhados e a fuga estaria irremediavelmente comprometida. No entanto, era o cunhado do guarda Alves que estava de vigia naquele posto.
Os evasores saltaram o muro para cima de uma figueira e chegaram à muralha, escondendo-se então como podiam numa guarita. Em definitivo, o guarda abandonara a esperança de libertar Miguel e estava preso a uma fuga da qual já não poderia escapar. Continuava em pânico, mas teria de seguir até ao fim. Ataram os lençóis à guarita e começaram a descer a muralha. Apesar do silêncio que adormecia a noite, a sua presença não foi notada e a fuga que poucos consideravam possível acabou por concretizar-se. Atravessaram o fosso e transpuseram o último muro que os separava da liberdade desejada. À sua espera estavam três automóveis. Ao longe, alguns mirones ofereciam o seu silêncio para o bem dos fugitivos. Todos entraram nos carros, à exceção do guarda Alves. No meio da confusão que singrava na sua cabeça, resolveu agarrar-se a uma última hipótese de regressar à sua profissão. Bateu com a porta e pôs-se a correr em direção à vila, gritando em desespero por ajuda. Iria defender-se com o facto de ter sido coagido sob ameaça de arma. Pelas ruas de Peniche surgiu então uma pequena multidão de pessoas que saíram do estádio de futebol e vinham particularmente agastados com a prestação do árbitro. Entretanto, Joaquim Gomes, que seguiu no encalço do guarda, apanhou-o e abraçou-o, gritando impropérios contra o árbitro, numa tentativa de abafar os bramidos do guarda. Acabou por lhe dissimular a revolta e voltaram para carro, fugindo de seguida.