Sombras de Silêncio #213

No domingo, por volta das dezasseis horas, um carro parou do lado norte do forte e abriu o porta-bagagem. Era o anúncio que no exterior estava tudo preparado para a fuga. Logo depois, aquando do regresso dos reclusos às celas, o guarda Alves pediu a um colega que o substituísse no corredor e, sem que alguém visse, acedeu à cela de Miguel. Queria apenas certificar-se de que ele saberia o que fazer quando chegasse o momento. Entretanto, as dúvidas tinham crescido na consciência de Miguel. A possibilidade de ser baleado fê-lo acreditar que o melhor seria permanecer na cela. Após alguma conversa, ao invés de lhe bater, o guarda Alves decidiu dar-lhe um voto de confiança e entregou-lhe o relógio de bolso, ainda com a mensagem no interior. Pensava que o relógio já lhe revelara todos os segredos, mas pretendia recuperá-lo no futuro.

Os reclusos do forte de Peniche saíram das celas para jantar por volta das dezanove horas. Os cozinheiros tinham preparado um prato de batatas, sardinhas, pimentos e liberdades adiadas. Cerca de meia hora depois, os apitos soaram e os reclusos regressaram às celas. Mas nem todos o fariam. Num dos grupos, o único guarda que fazia o acompanhamento foi neutralizado com clorofórmio e os presidiários ficaram por sua conta. Numa outra fila, onde Miguel seguia em último lugar, os presos eram escoltados pelo guarda Alves. Ao passarem num corredor, antes de chegarem ao pavilhão, Miguel encafuou-se para uma sala de arrumações, com o conluio do guarda e sem que alguém se apercebesse. A partir daquele momento, Miguel ficaria entregue a si próprio. Deveria aguardar ali até que os corredores ficassem vazios e seguir depois até ao ponto de encontro, junto do refeitório.

Depois de encarcerar os reclusos, o guarda Alves refez o caminho e passou pela sala de arrumações para ir buscar Miguel. No entanto, quando lá chegou, deparou com uma ausência que o elevou ao cume da frustração. Não sabia o que lhe havia acontecido. Poderia ter sido apanhado, andar perdido pelo forte ou mesmo já ter ido para a porta do refeitório.

Sombras de Silêncio #213

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