Sombras de Silêncio #212

No momento, a conversa terminou por ali e o guarda mandou-o circular, antes que alguém levantasse suspeitas. Noutras circunstâncias, o dinheiro não valeria o risco. Porém, havia um mistério para descobrir. Ainda que inicialmente considerasse absurdo tirar Miguel da prisão, a proposta do comunista fê-lo considerar que talvez o conseguisse, camuflando a sua fuga com outra fuga. Todavia, subsistiam demasiadas pontas soltas e os perigos espreitavam de todos os lados. Não estava disposto a abdicar de tudo por uma incerteza, a qualquer risco ou preço, e não confiava nos comunistas nem que os visse vestidos de batina. Ainda assim, decidiu inteirar-se do plano com o intuito de encontrar alguma possibilidade de incorporar Miguel na fuga.

Durante algumas semanas, o guarda Alves manteve conversas escondidas no pátio e no refeitório com Joaquim Gomes. Descobriu depois que o epicentro do plano era evadir Álvaro Cunhal, o membro mais destacado do Partido Comunista Português, que também cumpria pena em Peniche. Quando soube do plano, o guarda ainda pensou em desistir, por lhe parecer que o risco aumentava consideravelmente. Álvaro Cunhal era um dos reclusos que tinha uma vigilância mais apertada. Apesar das dúvidas, decidiu avançar e combinou com Joaquim Gomes o dia para a fuga, que seria coordenada entre o interior e o exterior da prisão. Faltava apenas informar Miguel do plano e do que ele teria de fazer. Foi falar com ele na tarde da sexta-feira do primeiro dia do ano que iniciava a década de sessenta. Miguel voltava do pátio e, ao entrar para a cela, viu o guarda Alves atrás dele. Expectante, Miguel foi-se encostar à janela. O guarda entrou e revelou-lhe o plano na forma mais minuciosa e simples que conseguiu. Porém, os lugares e as pessoas confundiram Miguel, pelo que o guarda teve de repetir o plano até o limite da sua paciência. Os pormenores assustavam bastante Miguel, que estremecia de medo ao imaginar os guardas a responderem a tiro à tentativa de evasão.

A fuga ficou marcada para o domingo seguinte. A escolha do dia prendia-se com o facto de haver menos guardas de vigilância. Quando souberam da decisão, os comunistas trataram logo de telefonar para os seus contactos. O pouco tempo de preparação inviabilizava algumas medidas que até então eram consideradas fundamentais, como o corte da linha telefónica em Peniche. Ainda assim, resolveram avançar com o plano.

Sombras de Silêncio #212

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