Sombras de Silêncio #207

Seguiu-se um silêncio que durou duas semanas. Após ter vivido mais algumas desventuras num reino longínquo, a porta abriu-se, o mundo destapou-se e Miguel espreitou de soslaio. Assomaram-se dois guardas, que ficaram por breves momentos a olhar fixamente para o recluso, até que um deles adiantou, num tom cerimonial:

– A partir de hoje, o senhor passará a comer no refeitório. Poderá também ir até ao pátio por uma hora, mas deverá manter sempre o silêncio. Entendeu?

Miguel balançou a cabeça de forma assertiva, reconhecendo a voz que o tinha interpelado anteriormente. Era um indivíduo de cara redonda, com um bigode tímido e cabelo negro de risco ao lado. O seu nome era Alves. Por incumbência de vicissitudes várias, o guarda chegara atrasado a quase todas as paragens da sua vida que o podiam ter catapultado para outros horizontes: nasceu quando já ninguém esperava; ficava no fundo sala na escola e apenas aprendia o que os outros deixavam passar; namorou e casou com a rapariga que os amigos deixaram livre; entrou para a Guarda porque o pai já tinha esgotado todos os favores entre os outros filhos; na Guarda, foi enviado para as prisões.

Quando a porta se fechou, Miguel regressou ao conforto da solidão. Os quase quinze anos de Segredo habituaram-no àquelas paredes, que se tornaram as suas defesas. Era a partir da janela que sonhava a vida. O mundo era a palma da sua imaginação. Lá fora, tudo seria novo, estranho e potencialmente perigoso.

Cerca de dez minutos depois, a porta voltou a abrir-se e o guarda Alves entrou sorrateiramente na cela.

– Como sabes, já cumpri a minha parte; agora deves cumprir a tua – disse o guarda, baloiçando o bastão.

Miguel foi minguando com o medo e aproximou-se da janela, sem saber o que dizer. O guarda arremeteu então o bastão sobre ele, desviando-o antes do impacto. Queria apenas assustá-lo, mas não estaria disposto, por muito tempo, a suportar as respostas esquivas do recluso.

– «Sombras de silêncio e solidão em segredo onde dão um mosteiro» – enunciou o guarda, cirandando pelas palavras como se estivesse prestes a desenterrar a sua reforma.

Sombras de Silêncio #207

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