Sombras de Silêncio #206

Miguel demorou ainda algum tempo a apreender toda a informação e só se lembrou de jantar quase uma hora depois do sopro de realidade. Enquanto um bichinho ia roendo na sua consciência sobre o que a voz desconhecida pretendia, surgiu então a esperança subtil de que o guarda Costa talvez não tivesse roubado o relógio. Miguel não sabia ainda que ele tinha sido transferido e ficou a remoer possibilidades a noite inteira. Pela manhã, ainda dormitou por alguns instantes, mas despertou com o burburinho habitual que anunciava a chegada do almoço. A portinhola abriu-se depois e Miguel recebeu do mundo um prato de batatas.

– Chega-te aqui – disse o guarda, ajoelhado à frente da porta, fingindo que atava os atacadores das botas.

Miguel assim fez e foi-se ajoelhar ao lado do prato.

– Escuta com atenção. Eu sei do relógio, do segredo e imagino que tudo aquilo deve valer uma pipa de massa. Estive a ver o teu ficheiro e tu já estás aqui há quase vinte e cinco anos. Neste tempo todo nunca recebeste uma única visita. Por quê?

Miguel nem teve tempo de responder, pois o guarda continuou no instante seguinte:

– Os teus amigos e família são mesmo secretos! Agora… é como te disse… ou me dizes qual é segredo e onde está ou então podes ter a certeza que vais morrer aqui.

Mesmo que tivesse todo o tempo do mundo, Miguel não saberia o que haveria de dizer. O guarda replicou depois que o relógio era dele e enfiou um pontapé numa saliência que fez correr rapidamente a portinhola. O estrondo assustou Miguel, que tombou para trás e permaneceu estendido no chão. Miguel ficou satisfeito por saber que o relógio reaparecera, mas preocupou-se com as circunstâncias.

Ao terceiro dia de arrelias, Miguel considerou o esforço inútil e decidiu voltar ao reino de Menfo, onde a solidão o convenceu a partir à reconquista da princesa Destinus. Porém, durante a viagem e enquanto aproveitava descansar, escutou:

– Se me disseres onde é, eu irei falar com o diretor para te tirar do Segredo.

– Só se me tirar daqui primeiro – respondeu Miguel, de supetão.

Sombras de Silêncio #206

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