Um pouco por força do descontentamento crescente em determinadas camadas da sociedade portuguesa, o número de reclusos ia crescendo e o Estado resolveu melhorar as condições existentes, construindo mais prisões e alterando algumas características das mesmas. Em particular, muitas das celas transformaram-se em Segredos.
O tempo passou. Após oito anos de cativeiro, Miguel já tinha de fazer algum esforço para se lembrar da vida que deixara em liberdade. Apenas a memória de uma paixão antiga se mantinha inviolável, ainda que a esperança de reencontrar a sua princesa fosse apenas uma miragem. Com muito tempo para repensar a vida, Miguel sobrevivia de lembranças. Em cada dia que passava, ao ver a porta fechar-se, refletia sobre as razões de ter sido e continuar aprisionado. Invariavelmente, acabava por concluir que tudo se deveria ao facto de ter abandonado a mãe. Durante as longas vigílias noturnas definhava em tristeza por desconhecer o que havia acontecido às pessoas que amava. A tormenta agudizava-se ao recordar que tinha ficado sem o relógio que o pai lhe confiara.
Na cela, Miguel habituara-se a deambular de um lado para o outro, verbalizando os pensamentos para não se esquecer de si. Num desses momentos o guarda Costa, que fazia a ronda com um colega, ouviu-o e sentiu uma saudade terna de lhe revelar uma novidade. Miguel, mal o encarou, sentou-se a um canto da cela ao lado de um penico de ferro. Enquanto o outro guarda se deixou ficar à porta, o guarda Costa entrou na cela e aproximou-se dele. Contou-lhe depois que o inspetor Fernando iria regressar a Lisboa, acompanhando o comandante. A mudança pouco interessou a Miguel, mas o guarda explicou-lhe então que finalmente iria acertar contas com ele e recuperar o relógio. Ainda antes de lhe virar as costas, o guarda não susteve a vontade e pregou-lhe um pontapé nas pernas encolhidas.
Revoltado, Miguel libertou-se de quem era, levantou-se, empunhou o penico e atirou-o contra a cabeça do guarda Costa, que caiu inconsciente no chão. O outro guarda ripostou e pregou-lhe com o bastão em cheio no peito, prostrando-o para cima do colchão. Os gritos de ajuda ecoaram pelos corredores e, momentos depois, chegaram mais guardas.