Depois de passar meio ano no forte, Miguel foi levado a julgamento. A sessão decorreu no tribunal de Peniche. Num primeiro momento, Miguel ainda julgou que a saída lhe iria restituir a liberdade desejada. Durante o julgamento, desesperado, insistiu que não era comunista. Porém, a incapacidade para o conseguir provar fez com que o juiz, de olhar acusador e juízo definido, o condenasse a dez anos de prisão pelas ofensas e ataques aos guardas e ao Estado, comprovados por agentes que haviam assistido às palestras e expostas na papelada encontrada na mala que viera de Aveiro. Miguel ainda alegou que não sabia ler ou escrever, mas a tentativa foi logo interrompida pela martelada do juiz. Enquanto era arrastado pelos guardas, perante o olhar fotográfico e indiferente do doutor António, referiu que era «amigo do dono da casa», mas ninguém lhe prestou atenção. Miguel foi depois devolvido à rotina: acordava, saía da sala para descascar batatas, voltava à cela, saía da cela para almoçar na cantina, voltava à cela, saía da cela para o recreio, voltava à cela, saía da cela para jantar na cantina e voltava à cela para dormir, sempre em filas e no tempo certo. A cada movimento esquecido, Miguel refugiava-se na memória de um amor interrompido.
Os guardas e inspetores concluíram que o esquivo comunista erguera uma história de desenganos para ocultar a sua verdadeira identidade. O boato acabou por vaguear entre os outros reclusos, que o acolheram com espanto e incompreensão, pois desconheciam quem era aquele pobre diabo e ignoravam as injustiças de que o acusavam. Muitos haviam assistido a alguns comícios empolgantes com verdadeiro Lenine da Silva e consideravam que era impossível tratar-se da mesma pessoa. Ao ser confrontado, Miguel lá foi adiantando alguns pormenores da sua vida. Porém, resguardava-se de algumas dúvidas com medo de eventuais represálias dos guardas. Surgiu então, entre os reclusos, a teoria que a tortura lhe havia tolhido a resiliência e a esperteza. A maioria considerava apenas que se tratava de um terrível e aparentemente irreversível engano.