Sombras de Silêncio #185

Rui afastou-se. O outro guarda agarrou Ritinha pelo braço e puxou-a para si.

– Ó homem, você quer fazer de nós parvos?! Na escola onde anda já eu sou doutor! A gente da vossa laia anda p’raí pelo mundo sem rei nem lei e nunca se sabe o que escondem de Deus. Esta rapariga esteve a falar p’ró comunista e ele estava aqui com toda a certeza. Agora, ela há de levar-me até ele ou então vai aquecer os lençóis à esquadra. Até nos pode dar algum jeito. Não é assim, Metralha?

Entretanto, o outro guarda atara os pulsos de Ritinha com um cordão. Passou-lhe depois a mão pelo cabelo e confirmou a sentença com uma gargalhada libidinosa.

– Então, minha querida, onde está o teu namorado bandido?

– Eu não sei! – respondeu ela, chorando vigorosamente.

– ‘Tou aqui – ouviu-se na noite fria.

Olharam todos em volta, mas não descortinaram uma figura que se coadunasse com a voz. Surgiu então Miguel, por detrás de uma árvore, seguindo aos tremeliques em direção ao guarda que mantinha aprisionada a sua princesa. Viera atrás de Rui e escondera-se à espera dos desenvolvimentos, escutando e vendo todas as incidências da tragédia que tirou a vida a Tiago. Momentos antes tinha deitado a sua identificação para o chão e caminhava liberto de qualquer passado ou referências.

– E o coelhinho saiu enfim da toca – comentou o guarda mais magricelas, apontando-lhe de imediato a pistola – Metralha, deixa lá a rapariga e trata de o amarrar bem.

Miguel, que já estava muito assustado pelo ato pouco refletido, ficou verdadeiramente apavorado e parou. Foi de imediato dominado pelo guarda, que lhe atou as mãos atrás das costas. O outro guarda aproximou-se dele, mirou-o por alguns instantes e deu-lhe uma bastonada na barriga, perguntado depois:

– Então como é que te chamas, seu… comunista?

– Eu sou o… Lenin – disse Miguel.

Todos na família estavam estupefactos com o gesto dele, percebendo qual era a sua intenção e ninguém se adiantou para contrariar a sua identidade. Entre o medo e o silêncio da noite, admiraram-lhe a coragem e a perspicácia, de cuja existência desconfiavam.

– Achas que eu sou parvo? – perguntou-lhe o guarda magricelas, enquanto o outro o obrigava a ficar direito, metendo-lhe o braço no pescoço. – Eu quero saber o teu nome verdadeiro e é bom que não me mintas! – terminou, mandando-lhe nova bastonada.

Sombras de Silêncio #185

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